Executivo municipal e vereança de Alvorada vivenciam situações semelhantes àquelas descritas por Lima Barreto em “Os Bruzundangas”. Publicado em 1923, um ano após sua morte, explora a ideia de que a República da Bruzundanga é arcaica, dominado por oligarcas e em que as medidas governamentais eram feitas ao sabor das conveniências. Aqui em Alvorada a vereança segue a linha de Lima Barreto e estica mais ainda a corda, deixando claro que seus interesses eleitoreiros estão bastante acima do interesse efetivamente público.
E o que é mais bizarro: durante os últimos três anos, o governo era um toma-lá-dá-cá tão intenso que o Executivo parecia estar namorando o Legislativo; com recente fim do amor, agora institucionalizaram a tática do vale tudo para isolar o Executivo – a palavra de ordem é simular um racha que, com o tempo, pode se revelar um tiro no pé. Dentro dessa lógica pode-se compreender parte da dinâmica da política; porém, e já que essa coluna é específica para a educação, dessa vez trataremos das alterações em nossa lei de gestão democrática, do recente veto pelo senhor prefeito e o que decorre disso tudo.
Lembro que em 2011 os diretores construíram um espaço de interlocução com a Smed, a Prefeitura e a Câmara. Era a Associação de Dirigentes Escolares de Alvorada (Adema). De tempos em tempos, aconteciam reuniões para avaliar a educação institucionalizada no município, pontuando as demandas cotidianas e estruturais, além das clássicas reivindicações.
Nem sempre eram reuniões pacíficas, mas era a partir do conflito que chegávamos ao consenso e às deliberações. Conseguimos, por exemplo, fazer os mandatos dos Conselhos Escolares coincidirem com os mandatos de diretores de escola, criamos o cargo de Coordenador Financeiro Educacional, entre outras medidas.
A atuação da Adema foi vista, por alguns membros do magistério, como oportunismo. E a resposta foi a criação de uma associação de trabalhadores e trabalhadoras em educação, a Asttreal – aliás, para quem vem, recentemente, especulando a possibilidade de fundar sindicato de professores, o site dessa associação é uma belezura, tem pauta de reivindicações e ainda está ativo. Quem sabe alguém tome a iniciativa de chamar algumas das pessoas que estão nas fotos e (re)funde a associação? Vejam aqui.
Na primeira reunião de 2012, integrantes da Adema se reuniram com o ex-prefeito João Carlos Brum, a então secretária Jussara Véras de Bitencourt e o vereador Edson Borba, líder do governo na Câmara de Vereadores na época. Estava em pauta a discussão sobre se diretores de escola deveriam ter mais um ano de mandato, pois aquele era ano eleitoral. Iniciativa do Executivo municipal, para legitimá-la ficou deliberado que nosso mecanismo de decisão era o voto. A maioria esmagadora votou a favor desse ano a mais, com as exceções de mim (Elisardo), da Cleusa Pereira (Nova Petrópolis) e do Luis Marques de Almeida (Herbert de Souza). Argumentávamos que estávamos cansados, que as regras para as quais fomos eleitos deveriam ser respeitadas e, principalmente, que não era correto mexer na lei dessa forma.
No ano de 2013, Sergio Bertoldi assume a Prefeitura, e o teste da base de apoio do governo foi a votação da nova lei de gestão democrática. É verdade que a reeleição contínua deveria cair por terra – pelo menos na minha opinião. No entanto, a opção foi por adotar modelo inspirado no governo estadual da época, nas quais se elegem equipes diretivas. Na época, esse modelo já se revelava altamente problemático nas escolas estaduais, era omisso sobre a vacância e colocara as comunidades escolares em camisas-de-força, dada a alta rotatividade do magistério.
Para minimizar os impactos negativos que prevíamos, dialogamos com a vereança, o presidente da Câmara na época, vereador Cristiano Schumacher, e construímos, em colaboração com o sindicato dos municipários (Sima), quatro emendas. No tumultuado dia da votação da lei, o que assistimos foi pura patrolagem: todas as emendas foram sumariamente rejeitadas. O líder do governo na Câmara, e que depois rompeu por se sentir nada mais que um tarefeiro, disse que a lei era “uma forma de democratizar a escola pública em Alvorada” – lembro que até expulso daquela sessão fui, por chamá-lo de mentiroso.
Como escreveu o velho barbudo (que não é Papai Noel mas Karl Marx):
A história acontece primeiro como tragédia, depois se repete como farsa
Afinal de contas, algumas das 27 das equipes diretivas das escolas municipais lutaram por mais um ano de mandato, e junto à vereança propuseram alterações à lei de 2013 (projeto de lei 032/2015). Nesse projeto há pelo menos dois pontos altos: um deles é definir que a vacância de vice-direção de escola é preenchida por indicação de diretor(a) e não pelo Executivo municipal, e o outro diz respeito à dilatação do próprio mandato. Aprovado pela vereança, o senhor prefeito optou pelo veto integral. Leia-se o projeto de lei e o veto aqui.
A justificativa ao veto integral se concentra na inconstitucionalidade. Afinal de contas, todos os cargos são do Executivo e da Smed, e o Legislativo municipal desrespeita suas atribuições. O recado é bastante claro: no governo municipal da mudança, ele é quem manda. Em relação ao ano a mais de mandato, a alegação para que fosse concedida era a de que esta é a vontade das comunidades escolares; no entanto, cabe questionar: quais integrantes das comunidades escolares foram efetivamente consultados(as) sobre a medida? Até agora, esse argumento é uma farsa.
Resta salientar o fato de que a intrusão da vereança nas escolas tem, historicamente, gerado efeitos deletérios para a rede como um todo. De qualquer forma, o desejo está escancarado: em tempos de alta descrença na política e incertezas em ano eleitoral, nada melhor do que ocupar as escolas, pautá-las e utilizá-las em benefício de suas próprias campanhas eleitorais, deixando escolas pequenas ou com poucos eleitores a ver navios. Os interesses da vereança são os mesmos de alguns(mas) diretores e diretoras, é a fome e a vontade de comer. E não são nada educacionais ou pautados pelo aperfeiçoamento das políticas públicas. A farinha é pouca, meu pirão primeiro!
Após a derrubada do veto do Executivo, o vereador Juliano Marinho (PT) alegou que o projeto é “uma forma de democratizar a escola pública em Alvorada”. Democratizar esticando os mandatos em mais um ano? Sua definição subjacente de democracia, da mesma forma que em 2013, até agora é um mistério. Já o Vereador Marcus Thiago (PT), que votou a favor do veto, alegou que “há professores e professoras com a intenção de se candidatar, portanto, com todo o respeito, não considero justa a prorrogação dos atuais mandatos”.
Para quem imagina que as críticas se centram na intenção de concorrer a diretor de escola, a resposta é simples: não sou nem pretendo estar candidato. Mesmo que queira ou venha mudar de ideia, não é problema esperar mais um ano ou dois, se necessário for. O problema é de outro tipo, e a vereança junto com o Executivo criou desde 2013. As mudanças nas leis, na calada da noite, vendem a ideia de que vivemos numa cidade em que as leis podem ser alteradas de acordo com as conveniências. E o mais trágico: a ideia de que com trocas de governos, os programas e projetos que estavam funcionando bem são abruptamente encerrados, em vez de aperfeiçoar o que já existe. Na prática, é um dos entraves para a melhoria dos indicadores educacionais (Ideb).
A novela ainda não acabou. Resta aguardar para sabermos se o Executivo entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), e os próximos desdobramentos. De qualquer forma, quando a vereança começou o namoro com a cúpula do governo municipal, em 2013, comprou uma bela armadilha: se todos os cargos são do Executivo e da Smed, qual é o sentido de eleições acontecerem nas escolas? Não seria mais prático que o Executivo nomeasse a direção, ou então que se fizesse concurso?
Em tempo: O parabéns dessa semana vai para meus colegas servidores municipais que tanto pelejaram, para a diretoria do Sima e o prefeito Sérgio Bertoldi. Após paralisação por dois dias, com direito a ocupação da prefeitura e tudo o mais, houve acordo para garantir o pagamento da trimestralidade, inclusive retroativamente. De qualquer forma, talvez fosse interessante se o legislativo levasse a cabo a realização da CPI, sem o afastamento do senhor prefeito.
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