Semana passada o colunista Igor Agradem teve um golpe de genialidade: ele escreveu que todo moleque tem uma relação de amor com a bola. Se eu estivesse professor de educação física, com certeza levaria para debatê-lo na escola e também com alunos/as, em sala de aula. Afinal, qual menino não gostaria de ser “boleiro” profissional?
Ao explorar o mesmo tema, Rubem Alves diz, no Quarto de Badulaques, que o futebol é um esporte tão completo que reúne duas características fundamentais: a competição (para um time vencer a partida é preciso possuir uma estratégia) e a cooperação (engajamento, harmonia e entrosamento são requisitos). E é exatamente por isso que ele pode ser utilizado como analogia para a compreensão das relações políticas, econômicas e sociais.
As alegrias (e tristezas) do futebol e dos esportes é especialidade do Igor. Deixemos a bola para ele. Na verdade, o que nos preocupa são as torcidas, especialmente no que diz respeito a suas modas. A última delas é a chamada indignação seletiva: o processo ou comportamento de manifestar, reclamar, criticar e atacar os males da sociedade e do mundo, e intencionalmente ignorar muitos outros deles. E tudo isso porque sua conduta é motivada por interesse pessoal.
Exemplos saltam aos olhos, e muitos deles chegam a causar inveja aos cidadãos da República da Bruzundanga (ou, se preferirem, Sucupira). O terreno mais fértil para eles é a nossa vida política. A cidade contribuiu bastante para (re)eleger uma deputada estadual que, com toda razão, critica o (des)governo Sartori, em função dos parcelamentos de salários, cortes de investimentos e, ao mesmo tempo, produz inchaço na máquina governamental e aumentos de salários para os cargos políticos. Enquanto isso, servidores estaduais tiveram de aceitar proposta infame do governo para receber seus décimo-terceiros salários parcelados, ou então contrair empréstimo junto aio Banrisul. No entanto, quando a ela se indaga sobre a situação dos servidores municipais de Alvorada, a resposta é um simples “nada a declarar”. A levar em conta que, quando cheguei nessa cidade em 2004, havia quem dissesse que já foi a melhor prefeita que essa cidade já teve, é muito pouco.
Da conduta predatória das torcidas nem as crianças são poupadas. Recentemente o filho da suplente de vereadora Ariane Leitão teve consulta pediátrica recusada pela médica. Através de mensagem, via Whatsapp, a médica justificou a atitude pelo fato de que a mãe da criança é petista. E o que é mais grave, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) ratificou a posição da profissional ao recorrer ao código de ética médica, pois “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. Sim, o corporativismo tem suas aberrações, mazelas e absurdos. O caso só ganhou visibilidade porque a vereadora denunciou na imprensa. E o Conselho Regional de Medicina (Cremers) vai abrir “investigação”. Aliás, vão investigar o que?
Enquanto isso, aqui em Alvorada temos uma situação já apontada pelo Tribunal de Contas: a ampliação do número de contratos com médicos que atendem nos postos de saúde, pela Saudex, uma espécie de empresa “atravessadora”. O maior escândalo está na “adoção, sem respaldo contratual, de regime de equivalência entre número de consultas e número de horas trabalhadas” (p.36); isto é, existe uma espécie de “acordo informal” para que os horários de trabalho não sejam efetivamente cumpridos. E quem é que tem se revoltado com essa situação? Quem denunciou? Que eu saiba, ninguém. Aboliram o fato de que o ingresso no serviço público se dá através de concurso e não através de “atravessadores” ou terceirizações. Por isso volto a questionar: a quem interessa este mecanismo? A informação foi divulgada pelo Alvoradense (e já vou avisando: o choro é livre. O balcão de reclamações é lá no TCE/RS). É assim que opera a “indignação seletiva”.
Nem a educação está imune à indignação seletiva. Afinal de contas, trata-se de processo. Além disso, as escolas refletem o que acontece na sociedade. Uma situação exemplar, e sobre a qual opinei ano passado, foi a votação do Plano Municipal de Educação, na Câmara de Vereadores. Sem dúvidas, foi um passo importante. Naquela votação, foi argumentado que a pauta da discriminação racial e, principalmente, de gênero deveria ser retirada do documento, pois ocorreu o mesmo em níveis estadual e federal – como se as especificidades regionais de nada valessem. E esticaram a corda, mais ainda: alguns vereadores alegaram que haveria a intenção de se construir banheiros unissex (ou “trans”?). Naquela sessão, o mais assustador foi o silêncio retumbante da maioria, mas ficou claro que a vereança, e aqueles/as que lideraram a retirada das estratégias, além de desconhecerem a escola pública, talvez vivam no mundo onírico. E muito em breve irão dar tapinhas nas costas, pedir seu voto, como se nada tivesse acontecido. É verdade que, com a criação do Sistema, isso poderá mudar. Ainda bem…
Enfim, o comportamento de torcida cai em desgraça porque é altamente emocionalista. Em muitos momentos é igualzinho ao/à “militante”. E isso resulta em profunda ignorância. Um sintoma disso é o ataque à pessoa (uma falácia clássica chamada Ad Hominem), em vez do argumento. A educação, seja na escola, em casa, no trabalho, deve se opor ao oportunismo representado nas e pelas indignações seletivas e estar motivado por boas informações. Do contrário, o que estaremos ensinando a nossas crianças senão a recusa em conviver com as diferenças?
Em tempo (1): em relação ao texto da semana passada, o colega Kleiton Muller (SMED, assessoria pedagógica) teceu importantes comentários a respeito dos percentuais utilizados para o FUNDEB 60% (2015), tal como informados pelo Sindicato dos Municipários e divulgados aqui. Ele aponta que pelo menos duas outras variáveis devem ser observadas: o tamanho das redes (número de alunos, profissionais envolvidos, etc) e, principalmente, a arrecadação de cada cidade, que é o que determina os 25% (MDE), o que permitiria esse percentual ser utilizado exclusivamente para a manutenção dos prédios escolares. Ele tem razão e, com isso, indica pauta para um próximo texto. De qualquer maneira, estes dados estarão aqui para uma nova coluna, para mostrar no que o dinheiro da educação tem sido empregado.
Em tempo (2): toda e qualquer iniciativa de abertura dos espaços escolares para as comunidades deve, na minha opinião, ser elogiada. Por isso e embora atrasado, os parabéns dessa semana vai para a E.M.E.F. Cecília Meirelles que, no dia 3 de abril, fez a festa para marcar a passagem de seus 25 anos. Além disso, a escola é vulnerável a ações indesejadas, pelo fato dos limites do terreno da escola estarem cercados com telas. É o provisório que acaba se tornando definitivo. Em vez de ficarem reclamando da vida, equipe diretiva e Conselho Escolar criaram um abaixo-assinado para reivindicar a construção de um muro que, há pelo menos oito anos, foi prometido e até agora não concretizado. A diretora da escola, professora Rosângela Leboutte, fez fala na Câmara de Vereadores para expor os entraves que escola e a comunidade vem enfrentando.