Até a publicação desse texto, provavelmente a Presidenta Dilma já tenha sofrido a degola formal. O fato é que o governo dela já acabou, e faz tempo. Talvez nem tenha começado. Pelo menos da maneira com que foi prometido. No entanto, e isso se arrasta pelo menos desde 2013, quando surgiram as primeiras manifestações “populares”, nas salas de aula tenho observado maior interesse na compreensão das ações coletivas. Sem dúvida que, nas escolas, é um ganho enorme e as possibilidades de integração entre as disciplinas e áreas do conhecimento podem ser gigantescas. Levará essa trajetória a um eleitor mais consciente de seus direitos e deveres, ou a eleitor mais participativo? Duvido!
De qualquer forma, nos Estados Unidos um analista resolveu nadar contra a maré, mostrando como é que as instituições democráticas erodiram, a ponto de enfraquecer a democracia. Ele sugeriu algumas hipóteses. A primeira delas estaria relacionada ao movimento das mulheres rumo ao mercado de trabalho; outra delas é a mobilidade social, e outro conjunto dessas mudanças estaria ligado às transformações demográficas que se iniciaram na década de 1960: menos casamentos, mais divórcios, menos filhos, e por aí vai… é uma pena que este artigo, publicado em 1995, só exista em inglês, mas ele está aqui.
Pois, a partir desse artigo, o analista aprofunda suas investigações e, no ano 2000, amplia seu argumento e publica um livro chamado “Bowling Alone: the colapse and revival of American community” (traduzindo: jogando boliche sozinho: o colapso e o reavivamento da comunidade norta-americana). Trata-se de mostrar que o colapso do sentimento de comunidade, típico da sociedade norte-americana, pode ser compreendido através da analogia com o esporte mais praticado nesse país: o boliche. Se, antes, as pessoas jogavam o boliche como uma desculpa esfarrapada para promover o encontro (e, portanto, maior consumo, maior integração social, mais encontros presenciais, e assim por diante), hoje joga-se boliche sozinho, com menor ou nenhum consumo. A capa desse livro é emblemática. Embora este livro não tenha sido publicado em português, ele está aqui.
O que surpreende, ao revisitar as teses de Putnam, é o seu tom “profético”: afinal de contas, não estaríamos trilhando caminho semelhante ao dos Estados Unidos? Ele mostrou que as transformações promovidas por lá estão relacionadas às transformações promovidas pela tecnologia que, além de alterar dramaticamente nossa noção de tempo e espaço, levou à exacerbação do individualismo.
Resultado: queda na participação, seja nas instituições locais, seja nas formas mais amplas de participação, além de desconfiança nos mecanismos de ação coletiva. E como inverter esse cenário? Segundo Putnam, construindo capital social.
E é aí que a escola e a educação entram em cena. Recente pesquisa mostra que nós, brasileiros, somos o terceiro povo mais ignorante do mundo. Isto é, a partir de entrevistas realizadas em trinta e três países, contendo perguntas a respeito da realidade, perdemos apenas para a Índia e o México. Diante de perguntas como “qual a idade média dos habitantes?”, os mil brasileiros entrevistados informaram ter, na média, 56 anos, quando na realidade a resposta correta é 31 anos. Essa pesquisa é questionável (no mínimo quanto à definição de ignorância), mas o fundamental é que sabemos pouco ou quase nada sobre nós mesmos – ela encontra-se aqui. Estaria a causa na tecnologia que, entre outros efeitos, faz com que a percepção das redes sociais, por exemplo, nos leve a ilusões de ótica? Sinceramente, não sei. O que você pensa? Convido a deixar seu ponto de vista nos comentários, logo abaixo…
Pesquisas realizadas no Brasil também mostram um resultado contundente: é através da educação e nas escolas é que pode ser superado esse cenário altamente individualista. Mas, para isso, é preciso duas condições: a primeira delas é o reconhecimento do individualismo como um fenômeno que traz problemas, e a segunda condição é que a escola atue de forma contra-hegemônica. Trata-se de promover relações de reciprocidade, de confiança e de participação, requisitos para a vida democrática. Trata-se de superar a estrutura excludente, centralizadora e autoritária de nossas escolas. Sem a efetiva participação e informação de boa qualidade, todo e qualquer discurso contra a corrupção, ou contra qualquer governo, não passa de conversa fiada. Afinal de contas, a desculpa do aleijado é a muleta.
Um processo que parece lento e gradual está ocorrendo: a descentralização. E ao longo do tempo, tende a gerar efeitos devastadores. Nas salas de aula e em relação aos alunos, e diante do problema da segurança pública, o que faz com que nos isolemos cada vez mais das ruas, uma consequência é visível:
a escola se torna, cada vez mais, espaço de socialização em detrimento de ser o espaço de aprendizagem.
Além disso, a autoridade do professor é cada vez menor. Como é que chegamos a esse ponto? Nos próximos textos, e aos poucos, debateremos.
Em tempo (1): ninguém sabe responder a uma simples perguntinha: afinal de contas, tenho o direito e posso abandonar o posto de trabalho e ir às ruas, para participar de todos os atos possíveis e imagináveis pela “defesa da democracia”? Mesmo que isso acabe por esvaziar a Prefeitura Municipal? Lembro que, ao longo do ano de 2012 e principalmente durante os tempos de eleições, eram proferidos fortes discursos contra a “vagabundagem” que imperava no governo municipal, e também ataques virulentos aos “funcionários fantasmas”.
Em tempo (2), curto e apóio: o projeto Estante dos Sonhos é uma iniciativa que tem por objetivo incentivar a leitura. O acervo foi reunido a partir de doações da comunidade. A proposta é constituir pequenos espaços para armazenamento dos livros com fácil acesso à leitura e ao empréstimo ou troca. Em parceria com a associação de moradores da Vila Santa Clara, a primeira estante foi construída por um grupo independente de moradores. A ideia é ampliar para outros espaços que tenham interesse, mostrando que qualquer espaço é lugar para leitura. Foi escolhida a estante como estrutura por permitir a ampliação do projeto. Numa segunda fase, mídias como DVDs, CDs e discos de vinil serão agregados e, em terceira etapa, serão incluídos objetos decorativos e todas as formas de artesanato de toda forma, além de tudo o que for possível e imaginável e que se possa colocar em estantes. O coquetel de lançamento do projeto ocorrerá na Associação de Moradores da Vila Santa Clara (Rua Noruega, 732) na quinta-feira, dia 19 de maio, a partir das 18 horas. A Associação fica em cima do posto de saúde, pertinho da ponte que sai para o bairro Nova Gleba, divisa com Porto Alegre.