O dia 20 de julho de 2015 entrou para a história de Alvorada. Nesta data, há exato um ano, uma sequência de eventos naturais – e outros nem tão naturais assim – mergulharam a cidade no caos, com efeitos dramáticos para milhares de pessoas.
A partir desta quarta-feira, o jornal O Alvoradense recupera algumas das histórias divulgadas no ano passado, durante a enchente do arroio Feijó, e traça um panorama atual das múltiplas faces da tragédia.
A cronologia da tragédia
A instabilidade havia iniciado quinze dias antes. Na terça-feira, dia 14/7, a água já começava a dar sinais que avançaria pelas ruas do bairro Americana. A chuva, contudo, ganhou intensidade no final da semana seguinte. Na sexta, começaram a chegar as primeiras famílias ao Ginásio Municipal Tancredo Neves. A situação piorou com a forte chuva que chegou na madrugada de domingo. Na Americana a água estava próxima de atingir a rua André Puente, se igualando ao nível histórico da enchente de 2013, considerada uma das piores da história do município. Mas infelizmente, o pior se confirmou.
A situação da cidade já era dramática quando a segunda-feira começou. O pior, no entanto, estava por vir. Fortes pancadas de chuva com rajadas de vento marcaram aquela manhã, com queda de granizo em algumas regiões. O quadro aumentou o número de pontos de alagamentos e a quantidade de desabrigados. Houve desmoronamento de terra no Jardim Alvorada e dois terrenos foram atingidos. Ruas dos bairros Tijuca, Tupã, Umbu e Onze de Abril ficaram inundadas. Próximo da ponte da Americana, as águas do Feijó invadiam as ruas com forte correnteza. Moradores, voluntários e equipes de resgate tentavam retirar famílias e pertences de dentro das casas e faltou mão de obra. Pessoas desesperadas à espera de barcos e caminhões de mudanças completavam o cenário de caos.
A chuvarada também gerou colapso no trânsito. As pontes da Americana e da Gleba foram bloqueadas. Na zona Sul, um desmoronamento de encosta no Caminho do Meio interditou a estrada. A ligação com Porto Alegre se deu apenas pela avenida Presidente Getúlio Vargas, o que afetou as linhas de ônibus.
Bairro à venda
Um ano após a chuva que provocou a maior enchente que Alvorada já viveu, voltar ao local onde as famílias foram mais atingidas é desolador. Há casas que não resistiram às águas e ruíram, deixando terrenos vazios; há moradores que não suportaram e desistiram, deixando o lugar com ares de abandono.
Na rua Marques do Pombal, no bairro Americana, o número de casas à venda na última quadra aumentou, o movimento na rua diminuiu e os que permanecem estão certos de que a tragédia pode se repetir. “É só chover um pouco que as ruas já enchem de água, independente do arroio”, sentencia o comerciante Emerson Oliveira Freitas.
Em 2015 ele acreditou que poderia escapar das cheias ao levantar o terreno em que mora, há cerca de 200 metros da área de várzea do arroio Feijó, deixando a casa e o seu mercadinho em um nível bem mais elevado do que a rua. Contudo, não foi o suficiente. “Aqui na frente de casa não dava pé, de tão alto que a água veio”, comenta Emerson. Mas o pior, segundo ele, é que neste último ano as ações efetivas de limpeza dos bueiros ou o desassoreamento do arroio pouco ocorreu. “É inacreditável que, mesmo depois de tudo, eles se prestem a somente cortar o mato na volta das bocas de lobo e tenham trabalhado com a draga por tão pouco tempo”, lamenta.
Quem também compartilha do sentimento de abandono são Leila e Pamela Pesente, mãe e filha que passaram dias e noites em um carro próximo da casa que foi invadida pela enchente.
Elas não moram mais na esquina das ruas Marques do Pombal e Itararé. Há um ano, chegaram a levantar todos os móveis e se instalaram no carro, para poder ficar por perto. Mas a situação foi pior do que o esperado e acabaram passando as noites no estacionamento do Ginásio Municipal Tancredo Neves, onde ficaram grande parte dos desabrigados, retornando às proximidades da casa durante o dia, para evitar saques e dar assistência aos que ficaram por lá.
Depois da sequência de problemas – o ano de 2015 ainda reservou outras duas enchentes na mesma região -, deram um novo rumo em suas vidas e abandonaram a casa que já estava para vender, junto com uma sala comercial que fica no mesmo terreno e que está desocupado há mais de dois anos. Os possíveis compradores, contudo, também sumiram.
“Por lá, não mudou nada. Ninguém fez nada depois da enchente e nem as ruas arrumaram, estão cheias de buracos”, comenta Pamela. “Resumindo, ficou por isso mesmo, infelizmente”.
Emerson e os parentes, também moradores da Marques do Pombal há décadas, no entanto, não pretendem abandonar o local. “Não somos invasores, pagamos pelos nossos terrenos e casas e cumprimos nossa obrigação com a Prefeitura. Queremos o retorno, a atenção da cidade e do estado com a situação do bairro. Estamos acompanhando as tratativas do dique, mas sabemos que a solução, se vier, ainda demora muito. Enquanto isso, vamos vivendo e esperando. Sempre de olho no céu e no arroio”.
Confira nesta quinta-feira: como está Seu José, o protetor que virou notícia em todo o país ao resgatar animais abandonados em um ônibus em meio à enchente.
Fonte: Jonathas Costa e Mariú Delanhse / O Alvoradense