“Acho que houve extermínio. É o conceito que os comandantes aliados usaram em suas cartas. Certamente o termo genocídio é cunhado após a Segunda Guerra Mundial. É por isso que falo do direito das nações e das regras de guerra do século XIX, violadas pelos aliados. Em Yatay, eles massacraram prisioneiros rendidos. Estupraram mulheres, levaram paraguaios como escravos para o Brasil e como servos para a Argentina, incendiaram hospitais e não se responsabilizaram pela população durante a ocupação militar. Houve crimes de guerra graves.” São significativas as denúncias vindas da historiadora Noelia Quintana, assessora do bloco paraguaio no Parlasul (Parlamento do Mercosul).
Neste ano foi aprovado pedido de criação de uma Comissão de Verdade e Justiça no Parlasul sobre a Guerra da Tríplice Aliança, ocorrida entre 1864 e 1870. O projeto de resolução menciona o genocídio de 90% da população masculina adulta em condições de trabalhar do Paraguai e destaca que o Uruguai foi o primeiro povo vitimado pelo conflito. Além disso, o documento diz sobre o envio forçado de trabalhadores negros escravizados do Brasil para a guerra na função de soldados, entre outros aspectos de violação dos direitos humanos.
A partir deste assentimento, avançarão os debates entre os historiadores sobre o conflito mais conhecido por aqui, como Guerra do Paraguai. O conflito mais sangrento da América do Sul, merece atenção, ele foi uma disputa pela dependência econômica.
Uma guerra que tem relação com os processos de independência da América Latina
As Independências na América Latina tiveram como um fator importante as necessidades dos comerciantes americanos em enriquecimento pessoal, pois Espanha e Portugal proibiam suas colônias de mercadejarem com outros países. Foi assim com Buenos Aires, que em maio de 1810 iniciou a sua revolução política, pois havia a proibição, que atrapalhava demais as exportações de couros e ponchos de lã para os ingleses.
Para a atual Argentina obter a sua independência perante a metrópole espanhola, houve agitação política com participação geral daquela sociedade em meio a condução política dos criollos, que estavam divididos entre a liberdade comercial e o monopólio colonial. Neste período da História da formação da República argentina, aconteceu a perda da região que hoje é o Uruguai, e iniciava a dependência econômica em relação a Inglaterra.
Nomes de pessoas, pormenores de batalhas, dias ou meses, são descartáveis para entender a novidade que foi a Argentina, este então novo país na América Latina. Foi diferente no Paraguai.
O Paraguai fugia à regra
A construção do Estado Nacional paraguaio teve outra fisionomia, sem dependência da potência econômica europeia da vez e com leis que motivavam a sua autonomia. Estrangeiros não podiam comprar terras paraguaias, O latifúndio foi abolido. Houve uma preocupação com a educação escolar. O Paraguai era o país da América Latina com a melhor educação. A relação com os ingleses era realizada com o controle dos sucessivos governos desta república camponesa. Havia um consenso no Paraguai, enquanto o Uruguai estava dividido entre blancos e colorados, a Argentina entre unitários e federalistas, o Brasil entre liberais e conservadores.
Claro que hoje quem procura a democracia representativa como a nossa, naquele lugar e tempo pretérito, o país platino era de um absolutismo francês! Como se indivíduos fossem mais relevante que os processos na História!
Entre 1864 e 1870, a chamada América Platina, foi palco da Guerra do Paraguai, também chamada de Guerra da Tríplice Aliança, e de outros nomes. Tríplice Aliança foi um tratado acordado entre Uruguai, Argentina e Brasil, em 1865.
Qual o papel do exército brasileiro?
Neste momento os militares brasileiros eram uma força democrática? Esta pergunta é válida, pois ao voltarem para seu país, os militares contribuíram para o fim da abolição do trabalho escravizado. Por outro lado, este mesmo exército brasileiro favoreceu a morte em massa da população paraguaia, e também interferiu na política econômica interna do pós-guerra, ajudando a impor a dependência do Brasil por meio do grito do Ipiranga.
Na América Latina, o império do Brasil liderou, através da Guerra do Paraguai, a expansão europeia ao mesmo tempo econômica, política e cultural: algo comum ao tempo colonial.
Guerra do Paraguai no ENEM: como aparece
Com estas breves reflexões, espero ter conseguido explicitar um pouco do meu entendimento sobre a Guerra do Paraguai, e adianto que há inúmeras outras visões. Ler diferentes autores e debater é fundamental, para avançar na interpretação sobre este fato histórico que ganha a cada dia maior relevância na contemporaneidade. E exatamente neste sentido, o ENEM fez a seguinte questão sobre a Guerra do Paraguai, em 2010:
Substitui-se então uma história crítica, profunda, por uma crônica de detalhes onde o patriotismo e a bravura dos nossos soldados encobrem a vilania dos motivos que levaram a Inglaterra a armar brasileiros e argentinos para a destruição da mais gloriosa república que já se viu na América Latina, a do Paraguai.
CHIAVENATTO, J. J. Genocídio americano: A Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1979 (adaptado).
O imperialismo inglês, “destruindo o Paraguai, mantém o status quo na América Meridional, impedindo a ascensão do seu único Estado economicamente livre”. Essa teoria conspiratória vai contra a realidade dos fatos e não tem provas documentais. Contudo essa teoria tem alguma repercussão.
(DORATIOTO. F. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002 (adaptado).
Uma leitura dessas narrativas divergentes demonstra que ambas estão refletindo sobre
- a) a carência de fontes para a pesquisa sobre os reais motivos dessa Guerra.
- b) o caráter positivista das diferentes versões sobre essa Guerra.
- c) o resultado das intervenções britânicas nos cenários de batalha.
- d) a dificuldade de elaborar explicações convincentes sobre os motivos dessa Guerra.
- e) o nível de crueldade das ações do exército brasileiro e argentino durante o conflito.
Júlio José Chiavenato e Francisco Doratioto são dois autores básicos para estudar o conflito, ambos com posições distintas e antagônicas. São amostras que existe, realmente, uma dificuldade de elaborar explicações convincentes sobre os motivos, e os interesses envolvidos na Guerra do Paraguai.
Mas vale muito a pena ler também o historiador Mário Maestri, e vários outros, para fugir da versão ufanista em que o conflito foi resultado unicamente dos interesses expansionistas do ditador paraguaio na região da bacia platina. Alerta: nunca um fato histórico, qualquer que ele seja, onde quer que ele esteja, terá uma causa apenas.
Foto: Charge sobre a Guerra do Paraguai, uma guerra da covardia de quatro contra um. Autoria desconhecida.
Rafael Freitas é professor de História da Rede de Ensino Mauá, um historiador alvoradense.
Criador de “Lascas da História”, coluna voltada para dicas de estudo para provas de ENEM e vestibulares, com foco na disciplina de História.
Mas uma História entendida como uma ciência, onde cada fato – por mais marcante que seja – é sempre uma lasquinha de algo bem maior.
Contatos: professor.freitas.rafael@gmail.com