Quando pensei em Joelma Bittencourt deduzi incêndios de delicadezas em combustão, saltos no vácuo ruidoso dos sentidos, um maestro anunciando as 4 Estações, uma soprano bebendo o oxigênio das chamas, e deuses. Muitos deuses. Deusesinhos velozes, papa-léguas bi-bip zanzando feitos riscos, rabiscos na área trapezoide da escrita e que, dinâmicos e vivazes, se transformariam e se traduziriam em poemas quando dentro da desgeometria não euclidiana, mas de uma desgeometria persona criada pelos olhos da alma, os olhos que sentem.

Cada letra impressa traz um era uma vez… Cada curto verso vem de cada longo pensar. Nenhum sinal gráfico impede o transito dos sentires pelos imensos campos da imaginação. Aqui e ali saltam se sentidos, buscas, informações, aplicativos sensórias,referências, citações e sentenças transitadas em julgado anunciando sempre a pena capital: Renda-se ao Belo! Não à beleza, que esta é farinha de empanar nuvens, evapora. Renda-se ao Belo, Belo que é tatoo na superfície da Pleura, essa pele sensível que filtra as respirações opressas, os suspiros de amor, os alívios de paz, os descompassos das inspirações de Amor e, em última instância, reveste, resguarda e ressoa as manifestações do coração: Taquicardias, por exemplo. Aos menos avisados, informo que taquicardias são Oloduns que sentimos quando lemos Joelma Bittencourt.

Quando li Joelma Bittencourt encontrei incêndios de delicadezas em combustão, saltos no vácuo ruidoso dos sentidos, um Maestro regendo as 4 Estações, uma soprano bebendo o oxigênio das chamas, E deuses. Muitos deuses. Deusinhos velozes…

Em tempo: O Maestro era um cara chamado Vivaldi!

Wander Porto

*

Não lemos a poesia de Joelma Bittencourt, somos lidos. Reinterpretados por sua escrita. A poeta faz o caminho inverso de seus pares. A desconstrução dos arquétipos. O desassossego dos ecos aprisionados da anima. Os silêncios ensurdecedores das dúvidas. Tudo aquilo que nos é essencial, e nos escapa entre os dedos. Tudo aquilo que nos desconcerta, restos da inquietante luz outonal desmesurada. As sobras exorbitantes dos afetos interrompidos. As intrincadas trilhas da alma, enredada em lugar algum.O id desnudado, explícito. E sobretudo seu talento de materializar imprevisibilidades etéreas, em palavras impregnadas de indeléveis belezas. São dessas matérias translúcidas, e o uso de uma linguagem estonteante, que Joelma Bittencourt harmoniza e molda seus poemas. Tal originalidade, já é suficiente para colocar sua literatura, entre as vozes mais expressivas da novíssima poesia brasileira, em atividade hoje no Brasil. Vejamos:

José Couto

*

Viagem ao céu em cinco dias

cinco poetas resolveram
construir uma torre
que superasse a de babel
em pedantismo

cada um estalava
sua língua sobre a do outro
da maneira que mais lhe valia

só quatro poetas descansaram
no final do primeiro dia

quatro poetas continuaram
a torre que superasse a de babel
em pedantismo

cada um explorava
a língua do outro
da maneira que mais lhe valia

só três poetas descansaram
no final do segundo dia

três poetas continuaram
a torre que superasse a de babel
em pedantismo

cada um se apoiava
na língua do outro
da maneira que mais lhe valia

só dois poetas descansaram
no final do terceiro dia

dois poetas continuaram
a torre que a de babel
superasse em pedantismo

cada um sujeitava
sua língua à do outro
da maneira que mais lhe valia

só um poeta descansou
no final do quarto dia

um poeta resolveu
que sozinho não tinha força
pra erguer uma torre que superasse
a de babel em pedantismo

levantou as mãos ao céu
e encolheu-se na própria língua

deus suspirou aliviado
no final do quinto dia.

Joelma Bittencourt

*

Êxodo

Chegamos àquela parte
em que a passagem se estreita.
Da pouca fé, ainda acesa
a última centelha.
Semideuses nos cercam
o tempo todo querendo roubá-la.
E o fôlego que perdemos
pra mantê-la não se regenera.
Eis-nos numa espécie de velório.
A tinta empalidece no poema.
Já é tempo de acendermos
a luz negra.

Joelma Bittencourt

*

Sobre mistérios e prestidigitações

Vai que calha
a carta na manga
na jogatina do poema

blefe no primeiro verso
a fim de espantar os
de alma pequena

depois é passe
desprovido de intenção.

Quem tem ficha
em queda livre
que aumente a aposta.
Vai que calha da sorte
ter pena.

Joelma Bittencourt

*

Amigo
é verso
que
vice-versa

Joelma Bittencourt

*

Cor de pau-brasil

Pare
antes entenda

peças cegas de xadrez
aprendidas
no livro de saramago
embatem-se pelo caminho

estão
nas rotatórias
nas marginais
nas vias de sentido único

ensurdecidas
pelos panelaços buzinaços
grampeadas suas línguas

se ainda tens ao menos
um olho vivo
monte vigília

o jogo só acaba
quando matam o rei.

Joelma Bittencourt

*

Hora agora
O dia
solto
em remoinho
de invento:

só letra
muda
soletra
o silêncio.

Joelma Bittencourt

*

O anjo contemporâneo

Aqui estou
num figurino preto no branco
apto às quedas
corcunda de tanto que carrego
o peso da vigília

aqui estou
esquálido e servil
as asas de fora
o elemento divino
eu escondo no meu dente
do juízo.

Joelma Bittencourt

*

Performance
O poema me cutucou propício
mal se fez a luz
fomos os dois
escolher a melhor esquina

artista de rua todo mundo é
alguma vez na vida
não reconhecem
como tais os mendigos

esmola é uma exigência
no currículo dos íntegros
se doo não me gabo
se recebo não roubarei

meu show é sentar
com canequinha
feito mudo pedinte
servir de devoradora
de pecados
a um preço mínimo

ah
e cortina a todo pano
não pode faltar
neste número metonímico.

Joelma Bittencourt

*

Dos exercícios de escrever

Agora há uma noite vestida
de acompanhante
calha de ter grilos ao sereno
um aconchego mudo do lado
de dentro

sem os guizos humanos
a isso nomeio silêncio

agora devo estar em tua
companhia
se sabes o que penso

sobre guizos
estamos conexos

cá estou pensando se calha
de estares numa hora de sol
se calha de nos imaginarmos
em eclipse.

Joelma Bittencourt

*

Simbólico
Perguntaram-lhe
se tinha algum ídolo
e ele temente
à palavra sede disse:
Sim… o carro-pipa!

Joelma Bittencourt

*

Púlpito

eu penso no resfôlego das putas trepando
quando vejo velhas senhoras gordas
arrastarem-se em sandálias
com suas sacolas de feira

eu penso no suor dos agiotas
quando vejo alguém desconfiado
contar e guardar o dinheiro
sacado num caixa eletrônico

um olhar de viés
em pura perda de tempo

eu penso no choro zangado da criança
impedida de exercer a liberdade
quando vejo um paraplégico ou cego
aventurando-se pelas ruas despreparadas
ignorando a ajuda de pessoas solicitas

eu penso nas notas de dinheiro
nas paredes de prédios riscadas
nas peles tatuadas
com extrema falta de bom senso
quando escrevo o que meu vazio dita
nessas horas onde o passeio é público

um olhar de viés
em pura perda de tempo

Joelma Bittencourt

*

Glitter

E agora josé?
Se não sei nem a medida da minha sede
como chover sem causar dilúvio?

Sabes que dos peixes
tenho só o esquecimento e tu te afogas
até em gota de sereno!

Ainda não recuperei o fôlego
de nadar contra corrente
entāo risco a escuridão neste poema
feito estrela-cadente.

Joelma Bittencourt

*

A musa contemporânea
A mulher de todos os mitos
desce do pedestal
apara as serpentes
raspa as escamas
veste-se de amélia
atrela-se à carruagem da rotina
desempilha a montanha de afazeres domésticos
doa o fígado para alimentar as crias
vai ao quinto dos infernos
prepara a receita de ambrosia

e na calada da noite ao pé do espelho
promete recomeçar a dieta na primeira luz do dia.

Joelma Bittencourt

*

A universalidade do risco

Quem atravessa
um poema ao pé da letra
arrisca-se a ser soletrado

Quem vai de cabra-cega
arrisca-se a nunca mais
ser encontrado.

Eu costumo ir de camelo
sem precisar de oásis.
É que aprendi
a transformar deserto
em miragem.

Joelma Bittencourt

*

O ponto de vista nunca é visto
o reino da poesia
é feito de pégasos
rocinantes
e cavalos de tróia

de narcisos
medusas
e soldados romanos

de pestes
tombadas pelo patrimônio
da boa memória

de rosas dos ventos
rosas atômicas
e rosas

e sobretudo de formigas
de faro aguçado
prontas a transformar
um corpo de poema
prostrado num banquete
que se renova

Joelma Bittencourt
Dedicado a Jose Couto e seu olho que tudo lê…

*

QUADRILHA VIRTUAL

João curtia Teresa que curtia Raimundo
que curtia Maria que curtia Joaquim que curtia Lili
que não curtia ninguém.
João foi para Twitter, Teresa para MSN,
Raimundo para o WhatsApp, Maria voltou para Google +,
Joaquim cancelou sua conta no Facebook e Lili conheceu J. Pinto Fernandes
que não tinha acesso a nenhuma rede social.

Joelma Bittencourt

*

Vídeos poemas de Joelma Bittencourt

POEMAS EM PRIMEIRA MÃO – VIDRÁGUAS


Prenúncios sob lágrimas temporãs

Premonição

“Escrevo poemas há mais de 20 anos. Publico há menos de 10, apenas em redes sociais.
Fechei meu blog Transfigurações. Possuo outro perfil, poético, conhecido de poucos, que me serve de experimento. Ao longo deste tempo, acredito ter evoluído como escritora. Ao menos percebo em mim, e busco cada vez mais, a preocupação com a escolha das palavras, valho-me de jogos visuais e sonoros, além de praticar a metalinguagem. Meus textos não são tão instintivos quanto antes. A transpiração existe, apesar de não superar a inspiração: não escrevo quando bem quero, mas quando surge uma ideia, uma vontade irreprimível. Os retoques nos textos são inevitáveis”


Joelma Bittencourt: Paraense, mora em Inhangapi, formada em Letras pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é professora na rede estadual de ensino. Possui textos publicados em diversos blogs e nas redes sociais, Publica suas poesias na página do Facebook. Tem dois livros inéditos de poesias “O Olho de Bolso” e “Via Crônica.”