Lançado em 2016, o filme Lunchbox mostra algo que supúnhamos existir, mas que quase sempre não nos era detalhado pela mídia. Aliás, em muitos aspectos, a mídia tenta fantasiar, dissimular ou enfocar suas tendências românticas ao que, se passarmos pelo crivo dos pressupostos históricos, nada de romântico determina ou se enquadra, dentro de um contexto de coerências, para um país de cultura milenar, como é a Índia. Uma nação atualmente utilizada, em grande parte de sua extensão geográfica e populacional, como quintal dos países mais desenvolvidos, por possuir, dentre os critérios adotados, uma mão-de-obra mais barata e viável à sustentação da produção capitalista. Um paralelo que podemos traçar, guardadas as especificidades de seus regimes políticos, com o que acontece com a China.

Embora com regimes diferentes, ambas as nações se recusam a mudar alguma coisa para evitar esse massacre capitalista, haja vista a necessidade de empregar os milhões e milhões de habitantes que possuem, permitindo-lhes uma sobrevivência cujo contexto dentro do qual vivemos, apontaríamos como agonizante. Parece, entretanto, que estão habituados e esse viver contrasta com as indústrias de tecnologias de ponta que se instalaram nessas duas potências.

A Índia, entretanto, nos é apresentada através de sua fascinante e sedutora cultura, exuberante em suas cores e tradições. Excetuando-se aqueles que se dedicam ao estudo do processo histórico propriamente dito, os povos, em si, em suas entranhas, no seu cotidiano, pouco sabem das verdades que lhes são ocultas. E isso vale também para os países em desenvolvimento, a exemplo do nosso.

Os livros sagrados indianos, como o Bhagavad-Guitá, que é parte do Maabárata, relatam as grandes batalhas ocorridas há mais ou menos 5000 anos, o que, justamente por essa temporalidade que ultrapassa a contagem do tempo sob os moldes da história cristã, coloca a história desse povo como fantasiosa para os ocidentais, o mesmo que ocorre com a história chinesa. Vertentes históricas diferentes das que impregnam a linha de tempo da descrição religiosa ocidental não interessam ao contexto das nossas narrativas globais, sustentando, destarte, uma lógica avessa.

Sujeita à suspeição, a história oficial que nos é passada nos bancos escolares não conta, via de regra, a evolução das diferentes sociedades do nosso planeta, limitando-se a um relato linear excludente. Aliás, tão excludentes quanto o interesse de alguns professores de história que, mesmo adentrando os caminhos dessa história oficial, imprime os garbos ditosos de suas censuras, tendências, pontos de vista, interesses partidários sob a alegação de que as justificativas de políticas amplas são os frutos do próprio convívio coletivo que por fim colhemos. Teoricamente seria um caminho razoável, não houvesse as distorções previsíveis. Existe uma grande dificuldade no exercício dessa disciplina com o respaldo ético da isenção. Em muitos casos chega a ser vexaminoso. Os trinta anos de exercício do magistério em escolas públicas me trouxeram essa dolorosa constatação através das evidências de falas que ouvi e de imagens que vi e que rudemente arquivei nas minhas Memórias de Um Professor de Escola Pública.

Lunchbox mostra uma Índia cujo cotidiano o mundo ocidental pouco conhece: um povo sofrido, vidas precárias entre nômades e castas, impregnadas de uma poesia imóvel que nos provoca reflexões às pertinentes similitudes dele com o nosso cotidiano.

De qualquer maneira, concluímos que, sobre a importância dessa divergente existência de culturas entre os povos e as nações, suas construções históricas são de um fórum íntimo, interno, autônomo e independente. A cada grupo cabe o seu gerenciamento livre das opiniões alheias. Embora esse mundo contemporâneo imprima a ideia de uma globalização, a não intervenção e a aceitação dessa diversidade deve ser a marca das relações respeitosas entre indivíduos e seus infindáveis formatos coletivos. A globalização será formatada sob a bandeira da paz se tais argumentos forem prioritários em quaisquer mesas de negociações. Ou se os relatos históricos limpem de suas falas o autoritarismo de suas ideologias em suspeição.

Lunchbox traz coisas desse tipo e muito mais, mas para isso devemos estar disponíveis à sua apreciação.