Basta ser um paraglider

 

Como um vento que segue por aí, mudando seus rumos, descendo e subindo montanhas, me sou. Não me exijam compromissos e confissões que a mim não pertencem, se as minhas próprias ideias não as capturo para não feri-las no claustro de si mesmas. Por esse e através desse viés intento pedir perdão às intenções alheias que, assim como um verdugo, querem pô-las em escuro enclausuro. Elas, as ideias, não se ajustam a tão estreito espaço. As paredes opressoras obsequiam o que a mente refuta: uma cela que tenta a contenção do que só sabe exercitar significantes signos da liberdade. Entretanto, livres e soltas, atingem os picos permitidos por suas desabaladas e incontidas velocidades. Através de divergentes climas, de acidentes geográficos surpreendedores e dos aquecimentos e resfriamentos de suas noites e dias. De suas sucessões inexauríveis.

Não, não queiram prender minhas ideias, muito menos imitá-las. Juro, elas são nefastas. O que para mim é leve, a vós, embora não possam perceber, tornar-se-á, possivelmente, um pesado fardo. Seus voos correm riscos de uma queda livre. E isso seria algo fatal, acreditem. Não desejo a vós que incorram nesse perigo. Deixe-me sustenta-lo nas asas da minha imaginação. Com elas garanto-lhes que os riscos são menores; desenvolvi certo sentido que me permite, de forma natural, acionar os dispositivos da indiferença. Preciosos instrumentos diante de turbulentos tempos, violentas tempestades pelas quais estamos passando. Que por muitas vezes já passamos e que, certamente, concluímos jamais cessará.

Se a consciência da inutilidade relativa do tempo não for despertada, se as ilusões criadas de tempos em separado não inverterem o processo e impregnar como igual o fruto da mesmice, não poderemos desacreditar naquilo que é sugerido como a fragmentação do todo. Espargidos em poucas e quaisquer evidências de ser esta uma verdade necessária. Portanto, plenamente descartável. Acredite, meu corpo, paraglider de mim mesmo, desconhece onde e como termina a jornada. Viaja, simplesmente. E é bom. Se não, no mínimo, muito interessante. Em que rocha, montanha ou pico se espatifará, não sei. Desconheço o futuro: continuo.

Não me criem obstáculos com a necessidade de agendamentos fastidiosos. Suponho-me águia que captura o alimento em pleno voo. Por enquanto, ainda liberto do mais alto ponto de onde me joguei, avisto paisagens. Muitas paisagens. Por certo extremamente diferentes umas das outras, e das que vós avistais, sem que consiga descrevê-las. E aqui lhes rogo que duvidem. A vossa experiência é o vosso voo. Ele acontece; ou não. Torço para que sim, que se lambuzem com o giro planetário, se assim lhes pronunciarem seus quereres. As responsabilidades a que nos atrelamos são diferentes. Cada uma é única, assim como as sensações e os sabores. Avaliando o material das possíveis evidências que constroem o amplo espaço da indiferença talvez encontrem, a certo momento, a relação que existe entre os cárceres da mente e os seus fantasmas imaginários. Nesse ínterim, então, perceba as correntes do ar que sopram sobre a terra e sobre o mar. Suba sua montanha e se atire, seja seu próprio paraglider. Jogo fora o peso dos artifícios que lhes puseram às costas.