Há pouco mais de mês a Laís Medeiros nos ofereceu belo texto, no qual rejeita a pretensão de neutralidade dos meios de comunicação e da mídia. Além disso, rejeita a ideia de que podemos ser imparciais, sendo que o mesmo se aplica a certos discursos tão presentes na vida cotidiana. Difícil saber se essa defesa da neutralidade é realmente bem intencionada, mas uma coisa é certa: parece o canto da sereia, mas como esse tipo de movimentação está afetando a educação institucionalizada?

Recentemente em Porto Alegre o vereador Valter Nagelstein e colegas fizeram aprovar uma moção de repúdio à conduta do Reitor e vice-Reitor da UFRGS. Isso se deu porque a Universidade promoveu o “Grande Ato em Defesa da Democracia e da Legalidade”. É verdade que alguns petistas tem se colocado, mesmo nesse momento político tão conturbado, como “donos da democracia”. Também é verdade que a Universidade, mesmo contrariando seu próprio Regimento, nunca foi neutra e se posicionou contra o processo de impeachment que afeta a presidenta Dilma Rousseff (PT). Talvez a vereança porto-alegrense imagine que o estudante universitário não teve a alternativa de não comparecer ao evento, sendo obrigado a aturar a “lavagem cerebral”. Ou, então, que a Universidade não possui mais a famosa autonomia, assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases… vá saber?

Mas adivinhem qual foi a alegação aprovada pela vereança, na moção de repúdio? Um doce para quem acertar. Isso mesmo: o abandono da “necessária imparcialidade de suas altas atribuições”. A moção de repúdio estica mais ainda a corda, a ponto de usar argumento ilógico, pois “o que vemos, no ensinos fundamental, médio e superior são doutrinadores, e na totalidade, infelizmente, de uma única visão de mundo, instrumentalizada através de sindicatos de professores que mascaram a atuação de partidos políticos de vertente marxista” (http://projetos.camarapoa.rs.gov.br/processos/128284#aba-documentos). Se é verdade que o ensino formal é doutrinador, o que explica o fato de que, de acordo com as pesquisas de opinião, cerca de 60% da população não querer mais saber de Dilma Rousseff (PT) na linha de frente? E o que explicaria a notícia de que boa parte da população não querer saber nem de Dilma, e menos ainda de Michel Temer (PMDB), defendendo abertura de novo processo eleitoral?

Na educação, tem sido cada vez mais recorrente o discurso de que as mazelas da escola pública estariam ligadas ao pernambucano Paulo Freire. Sobre isso digo, com segurança, que há profunda ignorância e desconhecimento de sua obra. Paulo Freire é eclético, e sua produção transitou por teorias que abrangem a democracia liberal, a ontologia, os marxismos, a memória coletiva, as teoria pós-modernas e muitas outras, mas sempre com foco muito mais na educação informal do que na educação institucionalizada. Por se assumir como um ser não-neutro e negando a imparcialidade, seu objetivo é compreender para intervir no mundo. Absolutamente nada há de errado nisso. Apenas este tema rende outro textão… querem criticar Paulo Freire? Tranquilo, mas que se critique os conceitos, as ideias, e tragam propostas. Afinal de contas, atacar a pessoa, em vez do argumento, é uma falácia clássica chamada ad hominem.

Mas há um recente caso que é de dar inveja a qualquer tentativa de golpe institucional, de reinvindicação de intervenção militar ou até mesmo de ditadura militar. Exatamente isso, chega a dar inveja na vereança alvoradense, assumidamente capacho do Executivo Municipal, improdutiva e que, em conluio, jogou a cidade à falência. Trata-se de uma trapalhada do PMDB de Alagoas, cuja Assembleia Legislativa fez a proeza de aprovar, por unanimidade, o projeto “Escola Livre”, proposto pelo deputado Ricardo Nezinho (PMDB) e, a seguir, vetado pelo governador do estado, Renan Filho (sim, filho do senador Renan Calheiros, PMDB), sob alegação de inconstitucionalidade.

O projeto em si é uma pérola que faz o magistério retornar à Idade Média. É a superação do limite do ridículo, pois no segundo artigo, “é vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir os alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico”. No final do texto, há uma lista com deveres dos professores. Entre elas, a proibição do professor introduzir conteúdos que entrem em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas de estudantes ou pais. Isto é, como professor de geografia que estou, não poderia ensinar sobre a teoria da evolução, no sexto ano? É isso mesmo, produção?

O ponto que mais chama atenção no projeto de lei está em suas justificativas. Uma delas reside na alegação de que professores e autores de livros didáticos utilizam aulas e obras que induzem o estudante a certas correntes políticas e ideológicas, e especialmente na imposição de padrões de julgamento e conduta moral incompatíveis com o que pais e responsáveis ensinam em casa – no caso, o texto enfatiza a conduta sexual. O objetivo da lei é o de coibir a doutrinação política e ideológica, o que representaria violação dos direitos e liberdades fundamentais de estudantes e pais. Mas há uma contradição a ser resolvida: se os livros didáticos são doutrinadores, e já que professores são manipuladores da opinião dos estudantes, como explicar sua aparente eficiência, já que a maioria dos professores são contrários à utilização do próprio livro didático? Diversão garantida, o projeto de lei está aqui.

O Legislativo alagoano não se contentou com o veto pelo governador. A pauta da derrubada do veto pelo governador iria a votação na terça-feira, 26 de abril. No entanto, e diante de protestos, a Assembleia Legislativa de Alagoas optou por transferir a votação para daqui a duas sessões ordinárias. Dessa vez a República da Bruzundanga morreu de inveja…

Como se não bastassem os mandonismos pelos Executivos estaduais e municipais na educação formal, muitas vezes contrariando o princípio da autonomia dos Conselhos Escolares Brasil afora, o maior insulto que os Legislativos estão produzindo é impor o que professores devem fazer. Parece consenso a ideia (perigosa) de que o magistério não presta. Em momento algum tem sido discutido sobre que tipo de formação contínua é necessária, qual é o perfil do magistério nas cidades, estados e país, quais são as necessidades que acometem as escolas, sobre como promover ações que resultem em aprendizagem ou como elevar os índices e a qualidade em educação. Enquanto isso, os Legislativos criam cortinas de fumaça para colocar a educação institucionalizada numa camisa de força e desviar sua função: fiscalizar os Executivos e legislar. Bastaria que começassem a descer das nuvens. Será que é pedir demais?

Em tempo (1): A Secretária de Educação, Clair Gabana, compareceu na Câmara de Vereadores no dia 19 de abril. Convocada pela vareadora Nadir Machado (PTB), respondeu sobre os desafios da educação institucionalizada na cidade. Em pelo menos dois pontos ela está correta. O primeiro deles é nas relações com a comunidade: em escolas onde as relações são de parceria, a roubalheira é menor. O outro ponto é mais espinhoso: afinal de contas, onde e no que as direções das 27 escolas estão aplicando os recursos que as escolas recebem? É verdade que pequenos reparos, como a substituição de vidros quebrados, cópias de chave, etc, poderão ser feitos com recursos dos quatro repasses trimestrais. Além disso, atualmente as escolas municipais recebem recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). No entanto, é fato que as escolas pequenas são as mais prejudicadas com a insuficiência de recursos, já que as demandas essenciais são semelhantes em todas as escolas. É preciso (re)pensar em mecanismos que corrijam essa desigualdade. Além disso, que tal criar um portal de transparência, divulgando amplamente no que os recursos municipais estão sendo aplicados nas escolas, além de divulgar quais foram os valores devolvidos, ano a ano?  (http://oalvoradense.com.br/cidade/clair-gabana-faz-balanco-da-educacao-na-camara-de-vereadores)

Em tempo (2): Como é que pode uma escola fazer sua festa de aniversário em um sábado, e essa data não poder servir como “atividade integradora” para fins de recuperação de paralisação, mesmo que com aval do Conselho Escolar, órgão máximo da/na escola? Em assembleia no Sindicato dos Servidores (Sima) em 26 de abril, acompanhei breve relato de professoras da E.M.E.F. Cecília Meirelles. Avaliando pelo relato, parece que a palavra de ordem é retaliar: falou mal do governo municipal, exigiu que reivindicações sejam cumpridas ou expôs as mazelas da educação institucionalizada na imprensa? Vai enfrentar dificuldades. Se bobear, acaba “premiado” com um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Triste.