Domingo de sol, um calor senegalês. País inteiro paralisado. O que estava acontecendo? Silêncio ensurdecedor, maior do que o daquela tarde em que a seleção tomou, em casa, aqueles sete infames gols da Alemanha. As dúvidas persistiam: afinal as malas (com dinheiro ou sem), os lobbies e as avaliações de analistas surtirão o efeito esperado? O fato é que o jornal O Alvoradense acertou na tendência, entrevistando meras cinquenta pessoas. Pode parecer pouca coisa, mas mostra o poder de uma pesquisa bem caprichada. Para a choradeira de uma parte da torcida, o xeque-mate da presidenta Dilma Rousseff, pelos deputados federais, foi inevitável.

É verdade que nosso atual Congresso (e, por decorrência, as casas Legislativas Brasil afora) nunca conta com os/as melhores representantes. É verdade que a maioria esmagadora deles/as talvez nem tenha lido os relatórios que, antes, aprovaram. No entanto, enquanto agentes políticos refletem a sociedade que vivenciamos; da mesma forma, refletem nosso sistema partidário. Segundo a Câmara Federal, apenas 36 deputados federais se elegeram com seus próprios votos. Isto é, a maioria esmagadora foi eleita “pegando a onda” dos puxadores de voto. A lógica da votação de domingo teria seguido o mesmo padrão? Difícil saber ao certo, mas as justificativas para os votos dos deputados foram, em uma só palavra, bizarria. No entanto, desmoralizar o Congresso é dar um tapa na cara do eleitor. Desse ponto de vista, assume linha de raciocínio elitista.

O espetáculo foi tão grande que até uma cena pode gerar até discussão pedagógica: o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ, ex-Big Bosta Braziu), após ser provocado por Jair Bolsonaro (PSC-RJ), cuspiu em resposta. Errou o alvo, mas acabou acertando o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS). As torcidas adoraram o show. Fosse em escola, esse episódio tão prosaico se resumiria em bullying e Lei de Talião. Afinal de contas, a mediocridade (no pior sentido do termo) é tão grande que é preciso “causar” para ganhar os holofotes da imprensa e aparecer. Diz a cartilha: quem não é visto, não é lembrado.

Mesmo assim, o principal motivo para a degola da presidenta são as pedaladas fiscais. No entanto, se dependesse única e exclusivamente delas, pelo menos dezesseis governadores estariam, neste momento, afastados. Se esse fosse o critério, quantos seriam nos Executivos Municipais, com a conivência das casas Legislativas?

Mas então quer dizer que é golpe, já que não se pode atribuir a Dilma Rousseff nenhum crime? Minha resposta é, “roubartilhando” o amigo Rodrigão: “só quem olha o calendário hoje e vê que acabou a grana sabe de que lado veio o golpe”. O centro do problema não está nos relatórios do pedido de impeachment, mas há pelo menos dois fatores em questão.
O primeiro deles é a corrosão dos índices de popularidade do governo. Um governo que, hoje, possui 5% de aprovação (talvez pouco mais), de acordo com as pesquisas de opinião pública, não possui “base normativa de apoio”; portanto, não se sustenta. As pesquisas são claras: a insatisfação com o Governo Federal afetou, em cheio, a eleitores dilmistas e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores (?). Além disso, Ciro Gomes, gavião que já está no sétimo partido político (hoje “brizolista”), tinha razão quando disse que a acolhida de Lula para Ministério (por conta dos desdobramentos da operação Lava Jato) terminaria por agravar a crise política no governo, há tempos instalada. Foi o suficiente para disseminar, no andar de baixo, a ideia de que conceder esse ministério foi assumir que houve corrupção. Basta conversar com as pessoas nas ruas. Parece que a percepção de roubalheira não é mais, neste momento, exclusividade da classe média: o povão diz que se não há vacinas para H1N1 nos postos de saúde ou se não há mais acesso à quimioterapia pelo SUS, devido aos cortes pelo governo federal, é porque acabou a grana. O motivo? Corrupção. O fato é que o governo federal “errou na mão”, e feio. Que cobrasse a conta no empresariado e ricaços. Afinal de contas, governar é definir prioridades.

De vez em quando, para fazer analogia e abordar o caso de Alvorada ou alguma situação específica, recorro ao que acontecia na República da Bruzundanga. Naquele país, as eleições eram, essencialmente, fraudulentas. Aqui no Brasil, com o auxílio de alguns marqueteiros e outros picaretas da retórica política, aperfeiçoamos a fraude em tempos de eleições. Está aí o segundo fator que pesou contra Dilma: o estelionato eleitoral. Afinal de contas, não era ela quem disse (quase sempre recorrendo à retórica da ameaça), em debate televisivo e nas propagandas eleitorais, que não haveria cortes nos programas sociais? Em uma escola em que trabalho, em dezembro de 2015 fui informado pelo meu ex-diretor (professor Alzemir Petry) que os três últimos repasses de verba da merenda escolar foram cancelados pelo Ministério da Educação. Conforme manda a técnica da indignação seletiva, quase ninguém protestou.

Aqui em Alvorada, o uso da guinada política é sofisticada: prometa a mudança, mas nunca diga o que, como, porque e para que mudar – ou, então, faça a proeza de mudar para pior.

Teoricamente, basta apelar para as emoções das torcidas. Nem vou muito adiante com essa linha de raciocínio, pois o velho barbudo (que não é Papai Noel) ensina que não se deve chutar cachorro morto.

O fato é que esse episódio sinaliza o fim de uma forma de se fazer política: estelionatária nas eleições, centralizadora e autoritária. Devido a uma série de transformações, não há mais espaço para concentração do poder nas mãos de uma pessoa ou grupo – aos poucos iremos, nessa coluna, explorando algumas das causas e efeitos desse processo. E não, não precisamos de reforma política – talvez a cláusula de barreira (sabotada por quem mesmo?) já teria resolvido boa parte dos problemas partidários. O que precisamos é de algo mais amplo: uma profunda reforma institucional. Sobre esse tema, recomendo a leitura de Robert Putnam, Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Trata-se de um estudo do impacto de reforma realizada pelo país cuja História é, em boa parte, a História da roubalheira. Mesmo assim, em vez de choradeira (ou rindo feito hiena), que tal mais responsabilidade?

Na educação, por exemplo, a aprovação do Plano Nacional deu prazo de um ano (portanto, já estamos atrasados) para que a Lei de Responsabilidade Educacional entre em vigor. Iniciativa da ex-deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), em 2006 foi inspirada na Lei de Responsabilidade Fiscal, e prevê a obrigatoriedade de planos de carreira a todo o magistério, titulação mínima para professores e tempo para que professores tenham tempo de estudo e planejamento coletivo. O objetivo dessa lei é o de encontrar utilidade prática para os indicadores nacionais (ENEM, IDEB, Provinha Brasil e Prova Brasil), sendo que o Ministério da Educação proporia metas. Caso elas não sejam cumpridas, prefeitos e secretários de educação poderiam ficar inelegíveis e até perderem seus cargos; além disso, há possibilidade de não repasses de recursos federais nos casos em que as metas não forem cumpridas. Veja aqui a proposta.

Enfim, o fundamental é que as políticas públicas, assim como as recentes leis voltadas para a educação institucionalizada, têm sinalizado para a descentralização dos processos. Junto com a criação do Sistema Municipal de Educação, outra exigência do PNE, vai exigir maior responsabilidade, maior profissionalismo, maior participação e menos intrusão por vereadores e prefeitos, de ideologias e torcidas. Será impossível o financiamento da educação municipal estar centralizada no prédio da prefeitura. E não haverá mais o financiamento, pela senhora educação, a outras secretarias ou atividades pouco ou quase nada relacionadas com a educação. Para isso, será estratégico organizar o magistério para tal – e estamos muito perto desse dia chegar. Quem fará isso, aqui na cidade? Ainda é uma incógnita.

EM TEMPO I: dia 23/4 é o Dia Internacional do Livro. O Serviço Social da Indústria (Sesi) está organizando o dia da leitura. Que tal organizá-la em sua escola? No site há possibilidade de inscrição de escolas, empresas, associações e outras, além de sugestões de atividades e leituras para o dia.

EM TEMPO II: Registro minha gratidão a Douglas Martello (Dem), pelo convite para ter assistido a palestra da Fernanda Barth, e que ocorreu na segunda passada, dia 18/4. Naquela ocasião, ela apresentou análise de conjuntura eleitoral, debateu poder simbólico e hegemonia e ofereceu dicas valiosas para futuros/as candidatos e candidatas do partido. Embora seja questionador em alguns pontos específicos (e que aos poucos vou desenvolvendo nessa coluna), a iniciativa de reunir militantes, formadores de opinião e simpatizantes, na perspectiva da formação política, é fundamental. Além disso, é sempre gratificante entrar em contato com colegas e amigos/as que há tempos não conversava pessoalmente. Até então não conhecia pessoalmente a Fernanda, mas tive contato com o trabalho dela através de nossa orientadora, a professora Jussara Reis Prá (UFRGS). Na época, em 2007, a professora organizava um volume da Revista Debates, e então tive acesso ao texto da palestrante. Por uma série de contratempos, na época acabei não vencendo o prazo para publicação de meu artigo.