No final de 2022, tive uma experiência em educação na Escola de Gestão do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada (SIMA). Foi no dia 17 de dezembro, participei de um processo de ensino-aprendizagem que sempre estará nas minhas lembranças.
A Escola de Gestão do SIMA encerrou as atividades em 2022 com o curso de formação “Sindicalismo no Brasil”, organizado por mim a partir de pesquisas que realizei desde 2013, inicialmente sobre o clube de futebol Força e Luz, de Porto Alegre. Afinal, o time era formado por funcionários da empresa, poucos anos depois de intensas greves dirigidas pelo sindicato da categoria. A minha tese era que o clube foi um instrumento dos patrões para acalmar os ânimos em razão de tanta luta popular, que por vezes parava a cidade inteira, ao acabar com a energia elétrica, durante inúmeros dias. Desde então, sistematizo informações e fatos sobre o sindicalismo no Brasil.
Trabalhando com a plataforma da Rede de Ensino Mauá, organizei e participei de cursos de extensão sobre História do sindicalismo no Brasil, sindicalismo na Era Vargas e no século XXI. Então, na atividade com dirigentes e funcionários do SIMA, pude partilhar um pouco sobre o que sei acerca destes assuntos. Tentei mostrar que alguns dos direitos trabalhistas e fatos históricos do Brasil, vieram por mérito dos trabalhadores organizados em suas entidades de classe, com a CLT, o movimento da legalidade, o décimo terceiro, as reformas de base, o fim da ditadura de primeiro de abril de 1964, e que um dos marcos da História do Brasil foi a fundação do Comando Geral dos Trabalhadores, em 1962.
Comando Geral dos Trabalhadores
O CGT (que não tem a ver com a Central Geral dos Trabalhadores, que possui a mesma sigla) foi criado no IV Encontro Sindical Nacional dos Trabalhadores, em agosto de 1962. O Encontro reuniu milhares de delegados (representantes das entidades de classe, ou seja, de sindicatos, associações e federações. Embora a fundação do CGT seja de 1962, a origem pode ser localizada na Greve Geral dos 3000.000 de São Paulo, quando os trabalhadores criavam organizações intersindicais, a exemplo do Comitê Intersindical de Greve, Pacto de Unidade Sindical (PUI), Pacto de Unidade e Ação (PUA), Fórum Sindical de Debates, DIEESE, entre outras. O CGT funcionava como uma central sindical de massas, embora sempre nas margens das leis, visto que o processo de legalização foi interrompido com o golpe de 1964.
Inimigo principal da ditadura
Tendo a frente sindicalistas históricos como o já falecido Raphael Martinelli, o CGT foi responsável pela organização do Comício da Central do Brasil. O polêmico ato político ocorreu em 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, reunindo 150.000 pessoas e fez a elite no país acreditar que o CGT era o “quatro poder”, que se somava ao executivo, legislativo e judiciário. Por essa razão, na madrugada de 1° de abril, dezenas de dirigentes do CGT foram presos: o golpe contra os trabalhadores começava a ser realizado.
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Geralmente se afirma que aconteceu um “novo sindicalismo” de 1978 até 1980, no ciclo de greves do ABC paulista e capital. Mas o CGT, na década de 1960 já reivindicava um “novo sindicalismo”, que era em oposição ao mundo do capital, preparando os trabalhadores para a transformação da sociedade a partir do local de trabalho. Entre as reivindicações do CGT, em manifestos e outros documentos, estavam: reforma agrária radical, reconhecimento dos sindicatos dos trabalhadores rurais, reforma urbana, reforma bancária, reforma eleitoral, reforma universitária, encampação de todas as empresas estrangeiras que exploram os serviços públicos, limitação de remessas de lucros para o exterior, participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, fortalecimento da Petrobrás, criação da Aerobrás pelo monopólio estatal da aviação comercial, aprovação da lei do décimo terceiro salário, efetivação e cumprimento da lei que criou assentos para balconistas, construção de restaurantes populares, férias de trinta dias corridos, contrato coletivo; falando em comunicados para “trabalhadores, camponeses, estudantes, intelectuais, militares, servidores do Estado, donas de casa, enfim o povo em geral”.
O CGT era uma organização política da esquerda mais radical dos idos de 1960. Acabava sendo uma resposta dos comunistas e trabalhistas a existência de uma organização nacional da extrema direita, que na fundação parecia democrática e progressista, me refiro a União Democrática Nacional (UDN): uma das responsáveis pelo advento da ditadura empresarial-militar de primeiro de abril a que me referi aqui algumas vezes.
Em uma questão do ENEM de 2011, estão mencionados trechos de documentos de ambas entidades de classe, da UDN do alto escalão do empresariado internacional e nacional e do CGT, dos trabalhadores- principalmente os das fábricas, mas não apenas. Analisemos:
Questão 41 da prova azul do primeiro dia do Enem 2011
Trecho de documento 1- A consolidação do regime democrático no Brasil contra os extremismos da esquerda e da direita exige ação enérgica e permanente no sentido do aprimoramento das instituições políticas e da realização de reformas corajosas no terreno econômico, financeiro e social.
Mensagem programática da União Democrática Nacional (UDN) — 1957.
Trecho de documento 2- Os trabalhadores deverão exigir a constituição de um governo nacionalista e democrático, com participação dos trabalhadores para a realização das seguintes medidas: a) Reforma bancária progressista; b) Reforma agrária que extinga o latifúndio; c) Regulamentação da Lei de Remessas de Lucros.
Manifesto do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) — 1962. BONAVIDES, P; AMARAL, R. Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2002.
Enunciado da questão: Nos anos 1960 eram comuns as disputas pelo significado de termos usados no debate político, como democracia e reforma. Se, para os setores aglutinados em torno da UDN, as reformas deveriam assegurar o livre mercado, para aqueles organizados no CGT, elas deveriam resultar em
a) fim da intervenção estatal na economia.
Alternativa errada. O enunciado se refere ao CGT, dirigido por comunistas (PCB) e trabalhistas (PTB, mas a ala não-ministerialista ou pelega). Portanto, por pessoas que eram favoráveis a participação do Estado na economia.
- b) crescimento do setor de bens de consumo.
Errada. Além do trecho de documento 2 não apresentar menção ao “crescimento do setor de bens de consumo”, o CGT procurava reivindicar melhorias para os trabalhadores, e não para os donos das fábricas de bens de consumo.
- c) controle do desenvolvimento industrial.
Errada. O CGT defendia que o Estado controlasse o desenvolvimento industrial do Brasil, no entanto a questão nem toca neste assunto.
- d) atração de investimentos estrangeiros.
Errada. Duas das medidas sugeridas no documento do CGT limitariam a atração de investimentos estrangeiros, como a extinção de latifúndios e a regulamentação da lei de remessa de lucros para o exterior.
- e) limitação da propriedade privada.
Certa. A reforma agrária que extinguisse o latifúndio, proposta sugerida no documento do CGT, permite considerar a alternativa correta. A razão: caso fosse concretizada essa reivindicação, o governo iria acabar com esta forma de propriedade da terra, portando a limitando, diminuindo o tamanho da propriedade privada.
O CGT foi o auge do sindicalismo no Brasil?
Sem dúvidas, por que possuía pró-atividade impressionante e uma criatividade sem igual, a causar inveja para o sindicalismo brasileiro de hoje. Mas não era perfeito, e nem pode ficar livre de críticas, já registradas em algumas obras escritas. É possível retirar vários ensinamentos com o CGT, como a mescla de reivindicações específicas das categorias representadas com as reivindicações mais gerais, que atingem a todos os trabalhadores, interferindo em toda a sociedade. Alguns direitos teus, leitoras e leitores desta coluna, existem por força da organização do CGT.
E foi um pouco sobre isso que conversamos, na manhã do dia 17 de dezembro, na Escola de Gestão do SIMA. Os conteúdos de nossas conversas e debates, são úteis para aprender um pouco mais sobre a História do Brasil e para a preparação de estudantes visando as provas dos vestibulares e do ENEM.
Até a próxima! Dúvidas? Fala comigo!
Imagem: Passeata comemorando a fundação do Comando Geral dos Trabalhadores – CGT.
Fonte: Memorial da Democracia
Rafael Freitas é professor de História da Rede de Ensino Mauá, um historiador alvoradense.
Criador de “Lascas da História”, coluna voltada para dicas de estudo para provas de ENEM e vestibulares, com foco na disciplina de História.
Mas uma História entendida como uma ciência, onde cada fato – por mais marcante que seja – é sempre uma lasquinha de algo bem maior.
Contatos: professor.freitas.rafael@gmail.com