O mandato que se perdeu no feed

Everton Braz, presidente do Podemos no Rio Grande do Sul. Créditos: Divulgação

Por Everton Braz, presidente do Podemos RS

Cem dias. Eis o tempo necessário para que um mandato recém-empossado revele sua espinha dorsal — ou a ausência dela. Cem dias bastam para perceber se há convicções à frente dos holofotes ou apenas vaidade com microfone. Em muitas cidades, porém, o que se viu foi espuma. Estratégias de comunicação com intenção, slogans de ocasião, fotos cuidadosamente filtradas… mas e o conteúdo? E o governo?

A lógica da gestão foi soterrada sob os escombros do marketing. A política se rendeu à ditadura do algoritmo: quantos viram, quantos curtiram, quantos aplaudiram. Confunde-se viralização com competência para transformação. Vende-se presença digital como se fosse entrega pública.

Vi marcas de governo, mas não vi planos. Vi estratégias de como dizer, mas não diretrizes sobre o que fazer. O algoritmo — este novo oráculo da política — virou a nova Enciclopédia Barsa. E ele não premia a coerência, mas a performance. Não estimula prioridades, mas lacração. Nos tornamos reféns do aplauso fácil e do engajamento estérico. E nisso, nos perdemos.

Estamos criando uma geração de “metralhadores de retóricas”, como se o mero discurso fosse capaz de produzir um hospital funcionando, uma escola de pé ou uma rua sem buraco. E por mais sofisticadas que sejam as estratégias, o marketing, os algoritmos — tudo isso é ruído, se não vier sustentado por entrega.

A democracia é, sim, um corpo vivo. Mas exige maturidade, exige zelo. Não se sustenta apenas na disputa, mas no dever. E o dever, por mais antiquado que soe aos ouvidos modernos, é o verdadeiro centro da política.

A política é uma ciência — mas não temos estudado. A política é uma arte — mas desaprendemos a criar. A política é trabalho — e fugimos dele como o diabo foge da cruz. Se somos tudo, menos trabalho, somos tudo, menos políticos.