Em tempos de desconstruções ideológicas generalizadas, de ideias fora dos lugares, de ódios, intolerâncias, visões limitadas pela ignorância e interesses financeiros, de espetáculos políticos mediáticos, de banalização e fragilização dos valores éticos de humanidades.

Seguindo a reflexão de Bertolt Brecht:

 

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”

Arte Marcin Sacha
Arte Marcin Sacha

Poetas atentos fazem suas reflexões:

Introspecção
O silêncio lhe transmite paz
Ante a fera que desertifica
Oásis fecundos das palavras
Que se fazem emudecidas
Não Corromperam a poesia
Esta não quis colaborar
Corroeram a liberdade
Cercearam as ideias
A boca inibida calada
Não murmura pelo que engole seco
Quisera o doce da cicuta
À se render aos filhos da Curta… Memória
Massa de manobra perdida sem rumo
Ecos que não dizem nada
Tudo está à venda
E os olhos vendados
Mas as mãos, ah as mãos,
Hábeis no feitio de acordos
Se rende ao apelo
Não se vende as algemas
Deslisa ainda em paz de silêncio
Sobre o branco do papel
Seu rabisco de luz
Sua rota de céu
Assim o pássaro voa
Sem peso, sem culpa
se oculta em fuga
no céu da boca.

Jose Regi

Colosso duro de phoder
osso sem tutano. osso caga-fogo.
osso por debaixo dos panos. osso fundo do poço.
osso capa de jornal. osso bate-boca de rua.
osso cara-de-pau. osso filho duma falcatrua.
osso manifestação. osso aegypti bestial.
osso televisão. osso lenda parlenda trava-língua do caos.
osso palmito de pedra. osso farsa de igualdade e justiça.
osso melado de merda. osso urubu na carniça.
osso aço esse fêmur que arrancaram de mim e de você.
a vida política brasileira, colosso duro de phoder,
é um jogo de dominó [de ossos] numa mesa engordurada.

Carvalho Junior

*
não te deixo me levar
cansaço de guerra,
braço de suposto amigo,
não ando no escuro!
sei que minha sina é dó.
sei, há muito tempo
desencanto só…
acorda!
acorda Pátria,
minha mãe,
pra embalar sua filha sedenta!
meus irmãos morreram de bala perdida.
meus amigos, de fé.
resisto.

Jô Diniz

Revolução
As horas nos espreitam
com suas falas de monstros.
Os herdeiros políticos do mito deste povo
Conversam entre si uma poesia de sangue.
Isso é democracia, essa divisão de classes
que também divide almas: as sonâmbulas
e as esparsas.
Somente a Revolução poderá nos reunir
num projeto novo, sem ismos e sem
bandeiras, sem os discursos de Marx,
sem a febre capitalista,
sem escravidão ou consumo.
Nos basta o cheiro da mata
e o ronco dos automóveis,
o tiro seco da pólvora
e os tambores ao longe.

Raimundo Fontenele

*
o minuto seguinte
em tempos de bibliotecas vazias
sentenças gritadas nas ruas
é preciso voltar ao começo
onde a palavra perdeu seu valor
é preciso revalidar as calçadas
para que os pés reaprendam
a respeitar os mortos
entalhados na história
é preciso crer que apesar do fogo
que queima nossa vergonha
ainda é possível avançar
para o próximo minuto
seguir em frente
é galgar degraus
ainda que não haja escadas.

Lourença Lou

*
…Do que terá valido à pena…
se vencem a besta e a serpente,
que direi eu?
.
direi que terá valido à pena
ter sido digno, ter sido limpo!
.
direi como Darci Ribeiro,
como é bom não estar ao lado
dos que me venceram!
,
direi, entre lágrimas, direi,
que a lucidez é uma merda!
mas amo a verdade, amo!
,
direi que minh’alma é livre,
como meu coração, não contaminado
pelo rio turvo, o rio sujo, sujo, sujo!
,
direi que fui às ruas e ali eu vi os olhos
dos homens e mulheres, irmanados,
e amei a cada um, pois eu não me senti só
em meus espantos.
,
direi que não se maldiz a vida por causa
dos cínicos, por causa dos que se tornam a si mesmos
rebanho sem vida, sem vida, sem vida!
,
e direi mais! direi palavras tolas, fúteis, que me engabelem
a dor dilacerante, versos tortos que me encham de
esperança!.
só para eu me erguer de novo,
e lutar de novo,
,
e me direi palavras tão fantasticamente puras,
sem malícia,
que eu acreditarei sim, mais uma vez, mais uma vez,
que terá valido à pena,
eu ser,
eu ser,
eu!
terá valido à pena!

Eduardo Ramos

*
hoje a primeira imagem que vi
foi essa; uma criança em Qunu (vila
da Africa do Sul onde nasceu,Mandela)
caminhando em passos firmes pra escola
ou voltando pra casa
a incerteza faz parte do caminho
lutar é cada passo conquistado
caminhemos juntos
“viver é afinar o instrumento. de dentro pra fora. de fora pra dentro. a toda hora, todo
momento”

Edilberto Djuba Pires

Trecho final do Grande Walter Franco (Serra do Luar)
*
A história é um jogo de tempos e eventos
e é quando a escuridão se anuncia inevitável, o fim a um passo,
que os homens crescem e lutam e vencem
envoltos nestes ventos.
Assim os povos assim as gentes, enchentes de dor e de vida
que mesmo acorrentada não se esteriliza:
da dor e da miséria nascem tanto deuses quanto humanidades,
gritarei isso até que rouca a voz me falte
pois sei que é natural da noite
a consequente manhã.

Arnaldo Sisson

Poesia da crise
[em curtas palavras]
a crise existe?
NÃO, a crise não existe
existe, acima de qualquer pretexto/contexto a abstração da verdade, do foco, da lente, da
perspectiva.
o momento nos revela um trágico desenrolar de fatos e fossos baseado talvez no “inferno”
de Dante (sem muito alcance) sob a custódia do mal; ou seja, o de incriminar, condenar,
macular…ou ainda na sequencia, o temor destrutivo do “monstro do lago” sob a pseudo
égide do poder.
no momento, reporto-me ainda ao livro/filme “o estrangeiro” onde a visão distorcida diante
de uma reação a um sentimento, sem qualquer alternativa de “salvação” viu-se, o
“estrangeiro”, acusado de um crime gaseiforme” a se abster da sua própria verdade
porque sua verdade não seria alcançada. e assim se submete pacificamente, a viver
dentro de sua própria cela interior, indiferente a toda uma curvatura estrutural que o faz
gaiola.
E A POESIA DIANTE do momento histórico, de uma ganância desenfreada de poder, diante do descalabro sem precedente na história, diante da inobservância da lei,
TEM,
POR ASSIM dizer A OUSADIA
de maquiar de suavidade,
os dias obscuros de uma minoria acéfala e cega por opção que se permitiu ignorar
homens e mulheres que tentam fazer da história do Pais, uma história univerSal
TEM a poesia
por amor a si mesma,
viver sob a perspectiva da esperança e do encantamento.
e fazer de todo o acontecimento histórico, UM VERSO, talvez sem rima, mas tão forte
quanta a própria natureza e tão suave quanto o tremular da bandeira da esperança:
BRASIL!

Margarida DI

*
cinquenta anos esta noite
emite seu som de alerta:
o gavião está na área
saguis se assanham à vista de todos
– são novos, não puseram a mão na cumbuca
ouriço açulado espia de longe
pássaros desesperados
guardam de volta seus filhos às cascas
insetos admiram seu voo
esquecem, também eles,
que estão na base da pirâmide.

Adriana Aneli Costa Lagrasta

*
Ideologia não me leve
Ideologia não me lave
*
Ideologia não me sangue
Ideologia não me salgue

Lázara Papandrea

*
Ideologia seja breve
Ideologia sim me negue
*
Ideologia sim e não
Ideologia quero pão

Jose Couto

*
Ideologia não me morde
Ideologia não me late
Prefiro suco com abacate
verde, verde
E muita fibra
E muita lida
de punhos não cerrados
*
E muitos que não gados
Mas de carne quente
e olhos alongados
*
Dividir o pão sem lados
Repartir com as mãos
O que o cérebro contém
*
Ideologia, não lhe devo vintém.

Lázara Papandrea

*
Ideologia vem e vai
Ideologia entra e sai
Ideologia bate e volta
Ideologia leva e traz
Ideologia sobe e desce
Ideologia arde a fome
Prefiro a contramão contrastes e perdão
*
Ideologia pirata cara de pau
Ideologia sem leme ladeira abaixo
Ideologia fabricada enlatada
Caroço trancado osso forjado
na humilhação
*
Ideologia, cegueira é enxergar
Loucura é desentranhar
Verdade são restos
Falência é poder
*
Ideologia, evanescente aurora
lhe convém.

Jose Couto

*
Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.
Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.
Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.
O rebanho depende de um olhar.

Affonso Romano de Sant’Anna

*
Zunizunentes — centelhas
zinizinábeis — vorazes
zucrinamentes — falazes
sacriletrados– agraves
soniferam ssibilesos
no chão do porvir
celeberram afaimados
agitando a mortalha
conspurcam do Senhor o sábado
e subtraem do irmão o domingo
derridentes
cadentes
logo regurgitarão o próprio rabo

Gustavo Terra

*
Diluída
entre fusos confusos
e parafusos
me costuro e me desfaço
indivisível átomo
e partículas de mar circundam
o concreto (des)armado
do meu corpo
exposto
ao que do vento é pele
e úmida palavra.
Versos vapores vesúvios
e o uivo do bicho que de mim escapa
quando atravesso a calçada
do medo e me vejo
na fera
no faro
na falta de alguma coisa
que não se encaixa
e me violenta
na tormenta de quem avista
e toca o vácuo
o vago
o que não tem nome
e explode
em codinomes
que as esquinas batizam.

Laryssa Costa

*
Cor de pau-brasil
Pare
antes entenda
peças cegas de xadrez
aprendidas
no livro de saramago
embatem-se pelo caminho
estão
nas rotatórias
nas marginais
nas vias de sentido único
ensurdecidas
pelos panelaços buzinaços
grampeadas suas línguas
se ainda tens ao menos
um olho vivo
monte vigília
o jogo só acaba
quando matam o rei.

Joelma Bittencourt

*
De(s)coro
cheiro de cinza
ronda as bandeiras
tecidas de todos
e todas as cores
peles descoloridas
carbonizadas
doem pelo mundo
adentro e a foro
cartolas seguem
castrando e andando
ar_roubando sorrisos
blind dados de desaforo

Chris Herrmann

*
sim
…nossos ídolos não são os mesmos
e aparências enganam a nação…
têmis caída das vendas despida
cega pediu ser no peso das mãos
resta esperança
fez-se andança de pés calejados
no quente asfalto que lama esfria
estranhos unidos mesma direção
ecoando gritos que dentro pediam
justiça perdida
povo sofrido
.
.
.
perdão…

Flavia D’Angelo