Tenho recebido ótimo retorno de colegas e estudantes, seja através das redes sociais e, principalmente, nas ruas. Também tenho acolhido sugestões de temas a serem explorados nas próximas colunas. Sou um rapaz com muito mais sorte do que juízo, e aos poucos estamos inventando uma coluna que tem como proposta debater temas em que a educação esteja entrelaçada com a política. Da mesma forma, sou muito grato pelos comentários, e suspeito que os leitores dessa coluna estão em todo lugar, menos na educação. É fácil falar dos erros e contradições das outras pessoas e pouco ou quase nada fazer, mas mal e mal passaram dois meses e os leitores apontaram uma grave contradição minha, alegando que por várias vezes fiz referência ao povo da Bruzundanga, mas dela pouco ou quase nada falei. Dura realidade, é melhor assumir o erro: afinal de contas, sou um ser feito para errar. E já que o importante é ser feliz, cabe reconhecer que insistir no erro nada mais é do que burrice. Corrijamos, então, o rumo das análises.

Os Estados Unidos da Bruzundanga, ou República da Bruzundanga, foi um local visitado por Lima Barreto (1881-1922) e lá ele viveu grande parte de sua infância e mocidade. Já foi um local rico, mas cujo povo vivia na miséria, e possuía duas nobrezas: a de toga e a doutoral. Além disso, tudo o que vinha de fora, nesse país, era considerado bom e exemplo a ser seguido. Embora o foco de Barreto tenha sido, em 1917, a estrutura dessa sociedade, nosso foco é na mentalidade. Afinal de contas, a Bruzundanga é algo que não sai de nós. (aqui o relato original).

A vida política na Bruzundanga foi considerada uma tristeza, e se resume em uma só palavra: fraude. Em uma cidade pobre, um vereador pouco produtivo, mas bom em fazer estardalhaço, conseguiu ser eleito Presidente em seu partido político e, entre outras ações, fundou uma associação de trabalhadores em educação. Foi o pulo do gato para ser candidato à Prefeitura, sua meta maior. Professor e esportista nato, inaugurou torneio de golfe nos buracos da cidade e até trouxe a imprensa internacional para registrar o feito. Em campanha, e diante de escândalos midiáticos na época, sua militância chamou o ex-prefeito de ladrão, entre outros apelidos carinhosos. Depois de eleito, com uma margem ínfima de votos, depois compõs governo com os ex-seguidores do tal “ladrão”, abandonando de vez o velho e surrado discurso da mudança. Muitos dos cargos do governo municipal foram estranhamente criados e rifados – e todos os “amigos” mais vinculados àquele “ladrão”, e que estavam na ralé, ficaram de fora, inclusive aqueles que tenham feito bom trabalho. Contudo, o fundamental é que Legislativo sempre fez o que o Executivo manda, sem questionar, fiscalizar, trazer proposta ou contrapor. Afinal de contas, o que importa são os cargo$ – há quem diga que seu apelido é “Reizinho Mandão”.

Depois de três anos, o Legislativo começou a campanha: age como se nunca tivesse concordado com o governo, e mesmo que tenha governado apenas para si mesmo, se comporta como se nada tivesse acontecido. Teria a Bruzundanga congelado no tempo?

Aqueles que não estiveram vinculados ao governo municipal se aproveitaram do velho malabarismo discursivo: como estavam em minoria, pouco ou quase nada puderam fazer – se fossem maioria, simplesmente achacariam os recursos públicos, na maior cara-dura, através de malabarismos sofisticados.

Portanto, qualquer discurso crítico ou propositivo era considerado perda de tempo. O negócio era falar mal do governo, a todo e qualquer custo. Em ano eleitoral essa regra é de ouro. Um dos pretensos prefeituráveis, não satisfeito com as distribuições de ranchos, com as militâncias pagas e promessas de efeito moral nos tempos de campanha, inventou que iria resolver a situação caótica das ruas dessa cidade: basta que o senhor “Reizinho Mandão” assine um documento autorizando, e pronto: sua rua será patrolada, ou então as lâmpadas nas ruas serão substituídas, e até beijinho na boca pode-se ganhar. Os problemas acabaram. Não é ele um gênio?

Nas escolas da República da Bruzundanga a situação não era diferente. A maioria esmagadora tivera sido eleita pelas comunidades escolares e, diante das críticas ao governo municipal, que outrora as tinha “ajudado” nas campanhas, foram fiéis obedientes à nobreza doutoral. A primeira coisa que fizeram, em suas campanhas, foi se escorar em algum nobre e atacar todos os antecessores – em tempos de campanha, o que vale é chutar a canela, pois as torcidas deliram. Difícil entender os motivos disso, mas sabe-se que havia um pacto de mediocridade: afinal de contas uma mão lava a outra… pouco importam as propostas das campanhas, o fundamental é fazer gracinha para o diabo rir e se manter no “pudê”. Ninguém sabia onde os recursos financeiros das escolas foram aplicados. Se havia vidros quebrados nas escolas, se havia sucateamento dos prédios, se não houve pintura nas paredes, a culpa é sempre do “Reizinho” e, principalmente, do Departamento de Educação. O essencial é fazer discurso progressista, mas ser o inverso disso. A titulo de ilustração, teve uma época em que os estudantes receberam uniformes escolares, e aí fizeram a proeza de respaldar uma lei vinda da nobreza doutoral: o estudante tinha a obrigação de comparecer, nas escolas, com o dito uniforme; caso contrário, deveriam retornar para casa. E pouco importava se essa lei fosse inconstitucional.

Um episódio pitoresco da Bruzundanga teve a ver com um projeto de professor: uma escola de cinema. Revolucionário. Tudo começou com vídeos caseiros, nos fins de tarde em uma determinada escola. A ideia era sensacional. Quando o projeto caiu nas graças do “Reizinho” e da nobreza doutoral, foram correndo buscar verbas junto aos nobres. Sinalizada a vinda das verbas diante de apresentação de projeto e mais farta documentação, a meta era cumprir os prazos. Conseguiram até a verba da contrapartida… mas, antes, era preciso reeleger uma senhora nobre, e aí esses professores se atiraram desesperadamente em campanha. Depois se deram conta de que era impossível acessar os recursos, pois algumas das principais exigências não foram cumpridas. A barafunda é tão grande que, até hoje, o “Reizinho” e a nobreza doutoral brincam de “jogo do empurra”, em que um culpa o outro e ninguém se responsabiliza: a nobreza doutoral, tarefeira, disse que o governo municipal tivera sido caloteiro histórico e incompetente, enquanto o outro lado alegou que a nobreza doutoral nunca procurou esferas superiores para debater uma saída viável para tentar contornar o problema e, então, ter acessa aos recursos. É um espetáculo para inglês ver.

A maioria esmagadora do magistério é composta por mulheres. Trabalham quarenta horas semanais ou acima disso, e quando chegam em casa possuem nova jornada: cuidar dos filhos, da casa e de suas famílias. Diz a nobreza doutoral que não basta serem belas, recatadas e dos lares: é preciso que sejam neutras e imparciais. Nisso até o estado do Rio Grande do Sul está superando a Bruzundanga. Afinal de contas, o deputado Marcel Van Hattem (PP), apavorado com as “doutrinações” à esquerda, apresentou o programa “Escola sem Partido”, e está tramitando desde 2015. Resta saber se o tiozão das massas irá sancionar a lei ou alegará inconstitucionalidade, após provável aprovação pela Assembleia Legislativa.

Tristes episódios esses da vida política e ensino na Bruzundanga. E ainda bem que não vivenciamos isso. O fundamental é que, como disse Rubem Alves, “a gente aprende para viver melhor, para ter mais prazer, ter mais eficiência, poupar tempo, não se arriscar…”. Deixo abaixo uma música do Gabriel Pensador, para que (re)pensemos o tipo de ensino e educação desejamos.

Em tempo (1), curti muito: Tive o privilégio de participar na manhã de terça passada, dia 3 de maio, de formação na Secretaria Municipal de Educação. O objetivo do encontro, mediado pela colega Iva Barbizan (Sala Verde), foi reunir professores de geografia. Na ocasião nos apresentamos, e debatemos sobre um vídeo com falas do educador Rubem Alves. Além disso, discutimos sobre boas práticas na área, assim como possibilidades para que nossos estudantes aprendem mais e melhor. Ficou bastante claro que existe um fio condutor dessa área do conhecimento, que as concepções dos professores não defendem a neutralidade ou imparcialidade, que há iniciativas pontuais e, principalmente, muita vontade de levá-las adiante. Este tipo de iniciativa, além de colocar em contato professores que não se conhecem (ou só se conhecem “de vista” ou “de ouvir falar”), é fundamental. A Smed e Sala Verde, por isto, está de parabéns. É fundamental que professores sejam ouvidos – algo que, infelizmente, nem sempre acontece nas escolas (de vez em quando, entre tantas presepadas, o governo municipal há de acertar, né?). Aliás, no encontro a Assessoria Pedagógica relatou ter recebido, do Ministério de Educação, certificado de Menção Honrosa por conta do modelo de Educação de Jovens e Adultos. Parece pouca coisa, mas não é (http://medalhapaulofreire.mec.gov.br/). Estamos entre as melhores propostas de um país que tem dimensões continentais. Lembro que, ao longo dos três anos quando passei pela Assessoria Pedagógica na Secretaria, a briga foi pela não alteração dos parâmetros de idade dessa modalidade de ensino. Tenho muito carinho pela modalidade em que aprendi a estar professor e sei que a modalidade em si tem seus entraves específicos e problemas, mas nos dois últimos anos recebeu aperfeiçoamentos. Fica o sentimento de que não erramos…

Em tempo (2), curto e apóio: Muito alegra o convite do Matheus Costa o convite para acompanhar o projeto Estante dos Sonhos, uma iniciativa que tem por objetivo incentivar a leitura. O acervo foi reunido a partir de doações da comunidade. A proposta é constituir pequenos espaços para armazenamento dos livros com fácil acesso à leitura e ao empréstimo ou troca. Em parceria com a associação de moradores da Vila Santa Clara, a primeira estante foi construída por um grupo independente de moradores. A ideia é ampliar para outros espaços que tenham interesse, mostrando que qualquer espaço é lugar para leitura. Foi escolhida a estante como estrutura por permitir a ampliação do projeto. Numa segunda fase, mídias como DVDs, CDs e discos de vinil serão agregados e, em terceira etapa, serão incluídos objetos decorativos e todas as formas de artesanato de toda forma, além de tudo o que for possível e imaginável e que se possa colocar em estantes. O coquetel de lançamento do projeto ocorrerá na Associação de Moradores da Vila Santa Clara (Rua Noruega, 732) na quinta-feira, dia 19 de maio, a partir das 18 horas. A Associação fica em cima do posto de saúde, pertinho da ponte que sai para o bairro Nova Gleba, divisa com Porto Alegre.

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Em tempo (3): Recebi das mãos do professor Fábio Mariano, Presidente do Conselho Municipal de Educação, o projeto de lei que cria o Sistema Municipal de Educação, e que já entrou em pauta na Câmara Municipal. Silenciosamente ele e colegas vem trabalhando em silêncio, fazendo o devido trabalho, e deixarão um legado fundamental: a partir do Sistema, aos poucos o dinheiro da educação ficará na e apenas na educação. Além disso, aos poucos forçará a descentralização nas tomadas de decisão – sobre os Conselhos, escrevi algumas linhas aqui. Exigência do Plano Nacional de Educação, resta saber se a “nobreza doutoral” e improdutiva (vereança alvoradense, no caso) aprovará essa lei ou, mais uma vez, se prestará a ficar de birra com o Senhor Prefeito e fazer o típico jogo em que todos perdem.