Com a frase emblemática do escritor Jack Kerouac, popularizada e imortalizada pelo poeta e compositor Cazuza na canção tributo, damos sequência as homenagens as mães.
Mal o dia havia nascido
tudo era enorme
e negro
e mudo
minha mãe estava numa caixa
com aquele cheiro de flor
quieta
calada
fria
cercada de óculos escuros
a sala estava cheia de choros
que doíam em meus ouvidos
o rosto de meu pai
era imóvel molhado silencioso
suas mãos eram nervosas
penteando e despenteando meus cabelos
ao meio-dia
os óculos saíram uns atrás dos outros
numa fila que eu não compreendia
do alto da escada vi o carro enorme
e seus reflexos brilhantes
engolindo a caixa fria queimando meu coração.
Lourença Lou
*
Sumi-ê
diluo-me no azul egípcio
no cerne não há palavras
só a poética do vazio
não ser me dissolveu em tudo
não percebo e não sou percebida
fluindo sem atritos
desapegada
finalmente encontro
onde se acumulava o pó
José Couto
Para a Eva Rubim, 87 primaveras, mãe da preta Clarice Couto
*
Mãe
Eterno muro de queixas.
Dourada pílula ingerida dia-a-dia.
Tu foste o altar
e refúgio para
para nossas mágoas,
bem como inspiração
para novas conquistas
nos obstáculos
que nos aguardavam
em cada encruzilhada.
Ao dormirmos
nos teus abraços
descreveste a curva parabólica
de teu afeto.
Viveste para acalentar
nossos sonhos.
Embalando-nos
em teu seio de guerreira.
Nos deixaste a flor
e o fruto de teu carinho
eternizados
na tua figura emblemática
e em nossa saudade.
Groisman Themis
*
Folgados
Os filhos saíram
E deixaram
O resto do domingo
Nos pratos
Ela aprendeu a achar
Bonito
Aquela pilha enorme
De vasilhas
Para lavar.
Adriane Garcia
*
mãe transvirada ao espelho
hoje a mãe se olha no espelho
face de lista de supermercado
perdida nos cômodos da casa
há uma distância enorme entre o ventre
e a fome de amor
a lista se faz necessária se o filho longe dos olhos
se a reportagem fala de outra mãe
parada e fria e morta
enquanto ela, amarga e sem forças pro wilde side
como toda mãe, ela se olha no espelho
do banheiro sujo
da casa vazia
a vida não é bela, nem ela
Fabíola Mazzini Leone
*
Mãe e amor
Mãe, dos teus olhos brota a oração
Que acalma
Meus conflitos
Meus gritos
Minha solidão
Mãe, das tuas mãos
Escorre a seiva
O bálsamo
Que alivia o coração
Mãe
Minha terra
Meu sustento
Semente
Que dar fruto
Ao colo
Chamado
Amor.
Luiza Cantanhêde
*
Minha Mãe
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora.
Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.
Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
Vinicius de Moraes