Chamem-no Zimmerman ou Bob Dylan, cognome que adotou, ou como bem lhes aprouver. Não importa. A questão maior, no caso do prêmio em questão, é o fato de a poesia ter sido evocada, em pleno século XXI, à uma tentativa de ser reconhecida, em essência, como um símbolo à paz, o objetivo primordial para o qual o Prêmio Nobel fora criado depois que Nobel, protagonista do evento motivador, se dera conta de que seu invento era destruidor e prejudicial à humanidade. Desde então, a organização do evento tem conferido, anualmente, um volumoso prêmio em dinheiro aos promotores da paz, ou que beneficiem a humanidade nos mais diversos seguimentos.

O que Dylan fez foi olhar para o caos em que vivíamos à época de sua produção poética, inspirado pelos beatniks, os outsiders. Era necessário confrontar seu olhar através de um formato que estabelecesse os contornos próprios de uma construção, antes de tudo, cidadã. Desse confronto surgiu a reflexão, mesmo que subliminar, de que havia uma necessidade de não recuar, pois à época, tanto quanto agora, somos, ao mesmo tempo, os agentes e os objetos resultantes dessa estrutura social caótica. Mesmo que alguns analistas apontem para a exclusividade da culpa aos líderes e dirigentes. Mas eles só existem porque a sociedade como um todo não só permite como os elege. Replicada como um espelho, a velha e batida frase de que “a história se repete” está aí sob nossos olhares, para constatarmos suas evidências. Ao se inspirar nos beatniks, foi um dos inspiradores do movimento Hippie, transformando sua fala poética em lirismo musical contestador. Sua obra tornou-se um poema contra as guerras e a toda a forma de opressão, inspirando os movimentos de paz e amor, que acabou se espalhando pelo mundo com frases de ordem tipo “a flor vencendo o canhão”, como aqui cantou Geraldo Vandré.

No Brasil, Raul Seixas e Paulo Coelho eram os frutos mais óbvios e diretos dessa influência com a sua “Sociedade Alternativa”.

Embora Lennon, quando os Beatles desfizeram a banda tivesse proclamado que o “sonho tinha acabado” (Dream is over), Dylan, depois de tantos anos, ainda com o pé na estrada, aos 75 anos, vem provar que não, que o sonho de um outro mundo possível ainda pode ser sonhado, através de um prêmio de repercussão mundial para reascender a chama da poesia dentro do caos, nas suas músicas, como fizeram Homero e Safo na antiga Grécia, com seus poemas para serem declamados ao som de instrumentos.

Alguns de seus livros foram traduzidos para o português, como Tarântula, de 1971, publicado pela Brasiliense; Crônicas Vol. 1, de 2004, publicado pela Planeta e Forever Young, em 2003, publicado pela Martins Fontes.  Existe também Textos e Desenhos do autor, de 1973 e O Homem deu Nome a Todos os Bichos, de 2012, pela Nossa Cultura.

Dylan, com seus folks e blues afirmava que algumas coisas eram como as pedras que rolam (like a rolling stones). E continuam rolando, construindo e afirmando a essência poética do ser humano e sua construção civilizatória. Sem essa inserção e comunhão com a música, enquanto elemento lúdico de apoio à poesia, valorizando tanto uma quanto a outra, embora distintas em relação às ferramentas das quais se utilizam na definição de seus contornos e limites, provavelmente ainda não teríamos erguido esta ponte entre a antiguidade e a atualidade, entre Homero e Dylan, entre a poesia e a luta.