Vício que leva ao abandono, o destino final é a rua

São homens e mulheres em busca da “liberdade” de viver sem regras

Foto: Mariú M. Delanhese / Arquivo / OA

Com os dias de chuva e frio é impossível ficar indiferente a um problema social que atinge a quase totalidade das cidades e que vem crescendo a cada ano, os moradores de rua. Mesmo assim há os que passam pelos grupos de pessoas ou ainda por aquele indivíduo solitário, sem perceber sua situação de abandono.

Como tentativa de compreender o que leva muitas dessas pessoas à condição de passar seus dias e noites nas ruas da cidade, a reportagem do jornal O Alvoradense esteve conversando com alguns desses personagens.

Um dos pontos mais tradicionais é, hoje, a rua Gustavo Valente, paralela à avenida Presidente Getúlio Vargas, na altura da parada 47. Ali está um grupo de homens de várias idades, diferentes idades, tendo em comum a rua e a cachaça.

Luciano Mello Costa, um açougueiro de 40 anos, parece ser o mais “equilibrado”, mas não se pode chamá-lo de líder, porque aquele não é um lugar de regras ou mandos. Ele conta que está em Alvorada há um ano, vindo de Canoas onde deixou mulher e duas filhas. Foi a bebida que o afastou da família e acha que, assim, todos ficam bem. Ele frequenta o albergue e tenta justificar a desistência dos companheiros de rua e cachaça. “Para conseguir uma vaga a pessoa tem que chegar sóbria e de cara limpa e não são todos que conseguem parar no meio da tarde, como eu faço, para estar inteiro na hora de entrar lá”, explica, “mas não sei até quando eu vou conseguir me controlar”, comenta pensativo. Diz que deveriam haver mais atividades no abrigo, para despertar maior interesse das pessoas o frequentarem.  “Por exemplo, se tivesse aulas de artesanato a gente poderia produzir a noite e vender de dia. Isso seria muito bom!”, sugere, acrescentado que “palestra não dá em nada”.

Ali também passa os dias, e as noites, Lauro da Silva, 60 anos. Depois de perder a esposa de forma trágica (os amigos afirmam que em um incêndio), foi morar com um irmão e começou a beber ainda mais que antes. “Faz um ano que ele me colocou pra fora de casa por causa da cachaça, mas ele também bebe! Vai entender…”, reclama o homem de barba branca, sorriso fácil e olhar triste.  Lauro não gosta do albergue, “tenho um problema na perna e é longe, então prefiro ficar aqui com os cachorros”. Mas os companheiros entregam que ele não quer é tomar banho, o que responde com um sorriso torto.

Outra figura folclórica é “Raul” Mendes Machado, 34 anos, que também está na rua por causa da bebida. De cabelos longos, desenhos “tatuados” a canetinha pelos braços e mãos, faz o estilo “maluco beleza”. Diz que gostaria de voltar ao albergue “por causa do banho, roupas limpas e cama boa. Mas o pessoal não me deixa ficar porque dizem que eu tenho casa”, lamenta ao explicar que sua irmã o deixa dormir na garagem de casa, em um colchão no chão “e só!”.

Quanto às atividades da Casa de Acolhimento, ele concorda com Luciano que atividades de artesanato seriam bem mais proveitosas do que o proposto. “Acho essa ideia de produzir a noite e vender durante o dia muito boa mesmo”, diz animado.

O que aparenta ser mais jovem é Douglas Pinheiro de Oliveira, também de 34. Morador do bairro Bela Vista, diz que está na rua desde que perdeu os pais e uma irmã, mas não consegue contar o que aconteceu, apesar da história ser confirmada por um primo guardados de carros no mesmo ponto e que se apressa em declarar “eu tenho casa”. Douglas também passa os dias ali cuidando de carros, mas conta que dorme no estacionamento da rua Bandeirantes, onde lava os veículos a cada manhã para pagar o pernoite. Ele confirma que já foi preso por roubo “por causa da maconha e das más companhias. Mas agora estou de boa, porque o pessoal aqui é do bem”, afirma, no que é confirmado pelos PMs que acompanham a conversa, soldado Leandro e sargento Alfredo. “Já tivemos problemas neste local, com outros moradores de rua. Mas com esses que estão aqui, nunca houve ocorrências”, conta o sargento.

Casa de Acolhimento
O albergue a que se refere o pessoal da rua Gustavo Valente, é a Casa de Acolhimento, criada em maio de 2015 pela Prefeitura de Alvorada na rua Icaraí, 352, bairro Sumaré.

O projeto da Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento Social recebe até 20 adultos por noite e promove atividades de integração, como dinâmicas em grupo e ações psicossociais. Isso, conforme nota da Administração Municipal “tem sido fundamental para a reestruturação da cidadania para pessoas em situação de rua na cidade”.

Esse contato entre as pessoas proporcionado pela Casa, cria vínculos entre os frequentadores, e há casos de namoros e, até mesmo, casamentos. Paulo Rodrigues, coordenador da Casa de Acolhimento conta que, quando possível, a entidade capta recursos para a legalização civil das uniões.

Outro trabalho realizado é a tentativa de reaproximar os moradores de rua de suas famílias. “Algumas famílias (…) querem saber o paradeiro deles, mas outras só aceitam se estiverem em reabilitação. Então é uma situação delicada”, relata o coordenador.

Para o sargento Alfredo Azevedo, Policial Militar há 26 anos, 16 deles atuando em Alvorada, “muitos deles vivem em um mundo sem regras, e optam por permanecer assim. Acham ser esta uma vida de liberdade e não pretendem mudar”.

Contudo ele já presenciou algumas exceções, de pessoas que buscam ajuda e conseguem se ressocializar. “Daí a importância de um acompanhamento social e psicológico, principalmente nos locais de acolhimento”, pondera.

Fonte: O Alvoradense