Aos 33 anos a deficiente visual Karine de Souza Rodrigues tem um currículo invejável. Já participou e venceu diversos festivais de música, cantou com Milton Nascimento, percorreu a Alemanha fazendo concertos e participou do programa Ídolos no SBT.
Em 2013 realizou um de seus maiores sonhos ao dar à luz a Bernardo e atualmente trabalha num projeto para gravação de CD. Para ela, a deficiência visual nunca foi empecilho para a realização de projetos, tanto em nível pessoal quanto profissional. Karine transformou a música no seu primeiro e principal sentido na vida.
Karine nasceu prematura e teve de passar dois meses na incubadora. “Isso de alguma forma provocou a cegueira”, explica. Sua infância foi embalada por música, um gosto influenciado pelo avô materno. Nos encontros da família, a música sempre esteve presente. Ela lembra que as brincadeiras também tinham ligação com música. “Não eram apenas bonecas ou pular corda, sempre tinha algo relacionado à música”, relembra.
Aos 11 anos começou a frequentar a escola de música Iemat, em Alvorada, onde além de aprender a tocar teclado, participava de grupos e de corais. “Alí, eu tomei gosto pela coisa”, assegura. Ela também participava de festivais de música tendo como parceiro o violonista Ricardo Fa. Em 1999 foi campeã de um festival estudantil como autora e intérprete, o que lhe deu direito a subir ao palco com Miltom Nascimento. A música que iriam interpretar era Nos bailes da Vida, mas um detalhe quase tirou Karine do palco: havia uma grande diferença entre o tom de voz do cantor e o dela que os técnicos não conseguiam corrigir. Até que um deles, a pedido de Karine, virou uma chave no teclado e resolveu a questão.
Toda a família e muitos amigos viajaram em peso para Caxias do Sul, local da final do festival, numa autêntica caravana. Entre os integrantes do grupo estava Adriano, amigo da infância que se aos poucos foi ganhando o coração de Karine. Ele, 12 anos mais velho, trabalhava na farmácia de uma tia de Karine e sempre foi seu amigo. “Chegou um tempo que senti que a mão dele ficava mais tempo segurando a minha. E não era só para me guiar não”, conta sorrindo. Quando teve certeza dos sentimentos do rapaz ela ficou com medo e se afastou. Adriano arrumou outra namorada e ficaram um tempo sem contato. “Aí senti que gostava dele e convidei para um jantar em família…já sabendo que ele iria ser da família”, confessa.
Depois do sucesso em Caxias, Karine seguiu cantando em bares de Porto Alegre e passou a integrar o Grupo Vocal 5, com quem faz apresentações até hoje. Em 2006 o marido falou para ela do programa Ídolos, do SBT. Ela conta que fez a inscrição de brincadeira, na farra mesmo, mas a medida que ia passando de fase a brincadeira foi ficando séria. A primeira etapa foi em um ginásio em Florianópolis, onde cada um dos cinco mil candidatos cantava à capela para uma pessoa. “Os que passaram se apresentaram para a direção do programa em um hotel e, se aprovados, para um corpo de jurados na final regional. “Depois disso, fomos para São Paulo para as fases de grupo”.
Karine chegou até o Top 7, quando foi eliminada. “Não estava mais tão tranquila. Não consegui fazer bem o que sabia fazer”. Sobre o programa, Karine conta que a medida que a disputa vai chegando à final fica muito mais acirrada inclusive entre os competidores, mas entende que o mundo da fama não é necessariamente bom. “Não é um programa que vai levar você ao reconhecimento. Muito poucos conseguem fazer disso um trampolim. É preciso muito mais”.
Entretanto, a experiência no Ídolos tornou Karine muito conhecida em Alvorada o que também ajudou na questão da deficiência, já que muitas pessoas passaram a se aproximar dela e pedir fotos. “Até mesmo dentro da família não sabiam lidar com minha deficiência, não sabiam como se aproximar. A exposição no programa ajudou muito nisso”, garante.
A maternidade chegou em 2013 batizada de Bernardo e é para Karine sua maior realização. Ela já tivera uma gravidez interrompida e quando soube que esperava outro bebê se encheu de cuidados. “A maternidade é uma coisa de plenitude, quando eu senti que nasci para isso”. Bernardo trouxe também para a mãe a exata noção das dificuldades da cegueira. “Claro que sempre convivi com os obstáculos, mas com meu filho fiquei mais consciente disto porque quando estou com ele em um aniversário, por exemplo, não posso ver por onde ele está correndo, se está em perigo”, explica.
Karine canta muito para o filho, chega a inventar músicas para Bernardo. Ainda que a maternidade tenha diminuido seu tempo para a música, Karine não quer parar. Segue tendo aulas de teclado, faz apresentações em casamentos, jantares, eventos da Natura e já trabalha no projeto de um CD. Sua música predileta é Todo Azul do Mar de autoria de Flávio Venturini que em seus primeiros versos diz: “Foi assim,como ver o mar, a primeira vez que meus olhos se viram no seu olhar…” Karine é assim: vê o mar, o filho e a vida através da música. “A música para mim é alimento, me traz coisas boas, me revigora”.
Fonte: Josélia Sales / O Alvoradense