“Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.”
Carlos Drummond de Andrade
Para Jose Couto – a necessidade dos clássicos em tempo de impeachment
A ilusão perversa ganha corpo
nunca o tempo
desde Platão uma ideia
viu-se no tempo algo
Então todos nós caminhamos
cada um de nós caminha
a seu modo caminha
para dentro da mesma caverna escura
iluminada apenas quando
Penso que em tempos como o dessa descrição acima, o que de melhor pode fazer o
escritor/leitor é voltar-se para os clássicos. O que se vê nas redes sócias é apenas eco,
réplica, sombras reproduzidas no fundo da “caverna” – distração.
Perseverança. Parabéns por essa iniciativa, Jose Couto, parabéns a todos os autores lidos aqui. Cada um a seu modo, no conjunto, faz vibrar a noção de ser “A Encarnação do Verbo” o único milagre. A tocha que ilumina saídas dessa caverna de obscuridade que é nosso tempo.
Sem a poesia, o que se pode ver é apenas eco, réplica, sombras reproduzidas para a
distração eterna e perversa.
Confesso que nestes tempos obscuros, dois procedimentos elevam meu espírito: voltar-me para as ideias dos mestres nos clássico/âncora testada nos oceanos do tempo compartilhar, e, com muita alegria, acompanhar a criação/voz de meus contemporâneos que em uníssono evocam a harmonia possível entre razão e sensibilidade.
Nunca na história a imagem de homens nascidos escravos dentro de uma caverna, distraídos contemplando a caricatura de suas figuras, foi tão real, cruel perversa e verdadeira. “Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural…” por isso, que a linguagem possa romper os véus da ignorância e da indiferença, alavancar o espírito humano e acolher no mundo as flores que desabrocham em nossa Língua. Acredito que a poesia pode, se não cumprir, ao menos indicar nos caminhos já trilhados o nosso. Acrescento a essas palavravas de louvou e agradecimento, um poema em vídeo: “Luz andarilha”:
Antonio Baltazar Gonçalves
*
tramoias
todas as saídas
desde que as legítimas
sejam interceptadas
*
sombras
baionetas
escudos cacetes
bombas de gás
balas de borracha
versus juventude
professores
defesa do estado
de direito
Líria Porto
*
são quarenta dias no deserto
e uma casa ao fundo
nela, um homem quer comer
nela, uma mulher quer comer
um deserto e eu
nenhuma praça,
só a casa opressiva lá no fundo
do deserto que é o reino
morreu a palmeira,
o índio, a democracia
sem praça, sem povo dançando,
o reino existe no sol a pino da arritmia
me tira da secura,
oh revolve o pó, povo concreto de tropeços tristes
trópicos não sejam mais
Fabíola Mazzini Leone
Qual a sua cor?
A lama nos olhos tapam as cores da bandeira
De que lado estou?
Das pedras descendo morro
Abaixo
Das águas levando tudo?
Quem assinará o armistício
Se as mãos estão ocupadas
Explodindo bombas e desenterrando
Ódios?
Que cor terá a fome nas savanas
Africanas?
Nos olhos de mulheres mutiladas
Qual a estética dos corpos esquálidos
Se alimentando de lixo
Que luxo?
Que lixo
Que França
Mariana?
Sangue no chão
Corrupção
Qual a cor da dor
De qual lado estou?
Luiza Cantanhêde
INFERNO
rasgo minhas veias
meus versos escorrem sangrentos
(sem espaço ou tempo)
eu os suicido
os quartéis estão tranqüilos
a paz é absoluta
nem um zumbido sequer
de qualquer guerra
presente passada futura
não existe fome só milagres
as famílias estão felizes
as sociedades estão justas
tudo é felicidade!
e eu paralítico e sem sonhos
o amor não se move
estou cego mudo surdo
e rastejo
estou faminto e sem fé
oh deus porque?
não resisto ao frio
me prostituo me vicio
estou podre
e abutres me rodeiam
tenho lepras
de mim ninguém se aproxima
estou vazio só tenho infernos
nem fé ao menos oh meu deus!
não tenho mais sentimentos
estou renegado a mim mesmo
estou sólido estou líquido
e quase evaporando
– oh deus se ele evaporar
vai poluir o ar!
Marcos Magoli
____ PODER ____
Escolho pessoas de conceito vago
Para dizerem NÃO, se me interessa,
E há colegiados que eu pago
Para me dizerem SIM. Não me peça
Artilharias contra mim mesmo
Nem que abra mão deste Fascínio.
Se quiser compro opiniões a esmo
E faço trapaças pelo Domínio.
Se a causa requer corrupção
Convoco as mentiras às festas
E “Jeitinhos” de fraude e opressão:
-Aplico golpes, faço a ocasião,
Insinuo a cizânia pelas frestas
E suborno os merdas da oposição.
Wander Porto
*
filhinho poeta
não venha no meu reinado
construído sobre muros
me criticar não
me diz aí se não é contraditório
um dono de negócio de produzir
eu lírico x y z
declarar sua indignação
com o quadro político
do país
logo tu
fingidor pra caralho
ah
é que as personas da vida real
que tu mais um curral eleitoral elegeram
tem que ser honestos
e tu não
só porque tem uma tal
de licença poética?
é essa licença poética
é concedida pelo foro
do monte parnaso
por acaso
que humano fracote nenhum
tem acesso?
e não venha me dizer
que estou misturando
alhos com bugalhos
que nem sei o que é bugalhos
ah
pra que discutir né?
melhor eu ir alisar lã dos carneirinhos
na insônia dos candidatos
à delação premiada
antes que os bichinhos fiquem carecas
de saber que esse troço
de contar carneirinhos não existe
Beatriz Lourenço baby Lou nas nuvens
*
Espada
Minha espada é
flor
Meu grito é
dor
– acordo coberta
de limo e luta
Sigo sem chão
porque geme a terra
Minha pátria mãe gentil
esperança é a parte
Que me cabe neste
latifúndio
Minha espada
Dor
Meu grito
Amor.
Elke Lubitz
*
Alice no país do futuro
As orquídeas não floresceram
A água e o adubo
Continuam
(Para não nascerem culpas)
Novas sementes lançadas
Olhos grudados na terra:
A esperança vai-me
Cultivando
Uma corcunda.
Adriane Garcia
PUTAS DE VERDADE
Todos desbravaram o mar
Com ondas revoltosas sanguinárias
Ergueram a bandeira verde amarela e também vermelha
Com a sua ideologia nos portos
Todos fizeram o povo sonhar
Com promessas enganosas extra-ordinárias
Teceram até estrela sobre as nossas telhas
Como se alegria nascesse do encontro dos olhos
Só que quando entraram na ZONA de CONFORTO
Se prostituíram
E deram tudo para si e para poucos!
Paulo George
*
Os ratos
Os ratos comemoram
minha dor amanhecida
dançam em um prato
que até hoje eu só vi no quintal dos pobres
“Não batam os pratos- mamãe diziasão
de esmalte!
Sai a tinta, e o que fica é cobre.”
Agora tudo dorme
mas os ratos cantam.
Adri Aleixo
*
o sopro que pressente as cinzas
as ruas estão cheias de ratos
e seus olhinhos pregados no sal
onde estão a capa e espada
desta insuspeitada idade média
onde mulheres e instituições
podem ser queimadas vivas
e o silêncio da omissão
fecha as portas com delicadeza
enquanto egos destroem memórias
levando a história para novos porões
as ruas estão cheias de pernas
prontas para cinquenta anos volver.
Lourença Lou
*
A poesia não cala
nos tempos de crise
o homem se faz forte
as águas que correm
colorem de sonhos
o oceano de ideias
nos tempos de crise
amar é por tudo, um
é pouco e não constrói
os pilares do povo, a nação
nos tempos que insistem
fazer da tempestade morada
se algo se ergue é a mão
do poeta – a poesia não cala
Marcelo Adifa
*
passarinhada
aqui não moro – mudei-me
jogo mesmo em outro campo
descobri que existe juiz
que apita em favor dos tucanos
estas aves de rapina
que roubam dos nossos ninhos
os ovos que nós botamos
Líria Porto
*
os meus amigos
paladinos da democracia no brasil
silenciam sobre belo monte
omitem-se sobre os caiovás
no mato grosso do sul
e ignoram a situação de genocídio
dos índios no brasil não vai ter golpe
meus amigos silenciam
há um silêncio de vergonha no ar
porque será?
Akira Yamasaki