Não há como deixar de sentir-se contagiado e comovido diante do lirismo intrínseco do diálogo transcendente que o poema O Templo, de José Couto, nos proporciona. Em determinados momentos tenho a impressão de que estou a identificar-me de tal maneira com as minhas alucinações estilísticas que chego a confundir-me com o poema. Surreal, detentor de paragens dentre as quais o que nos resta é somente puxarmos um banco e sentarmos para que possamos observar as imagens que dele brotam, sem que possamos imaginar qualquer pré-julgamento.
Elas nos chegam trazendo novas e inusitadas perspectivas. Mas, afinal, em qual dimensão se encontram? Ou melhor, deveríamos dizer: em quais dimensões?
É como uma rede que jogamos por sobre os vários momentos do poema. Ao mesmo tempo ele deixa transfigurar resumo de toda uma extensão de vida. Ou de uma vida vivida sob um determinado foco: o do experimentalismo que motiva e impulsiona o nosso cotidiano.
Muitas releituras serão necessárias para procurarmos o que se esconde ou o que se revela em suas transparências ou opacidades.
Trilhas sonoras talvez ajudem. Mas um aviso: certamente elas comporão os tons graves e agudos que irão reverberar em seus acordes. Se for uma composição barroca, certamente o grave se fará presente e estaremos procurando nas opacidades as cintilações possíveis a vislumbrar. Mistérios. Muitos mistérios. Se for um Led Zeppelin, o agudo se estirará ao infinito e possivelmente as imagens nos escaparão para lugares que desconhecemos. Em
ambos transfiguramos expansões mágicas, ilusórias, intangíveis.
Realmente José do Couto assume a ousadia do equívoco e da incerteza do voo, supera as limitações da linguagem, num esforço criador imagético e com apurada elaboração intelectual. Vale a pena ler e decifrar esse poema manifesto almático, extremamente potencializado e que nos despe generosamente e nos desprende para podermos interpretá-lo à revelia dos nossos sonhos. Mesmo aqueles que consideramos impossíveis.
Eis o poema:
O Templo
eu penso no hálito de gim e café frio
do solitário cafetão sifilítico
quando vejo a magreza das meninas
contabilizando minguados michês
de seus corpos ocres de não tempo
eu penso no odor do liberal
em sua singela sinceridade
distribuindo moedas
nos semáforos do tempo interrompido
um desolhar de revés
tempo desassossegado fluindo indo in
eu penso no êxtase de jimi rendrix compondo little wing
o ácido no pico exercendo a não liberdade
quando ouço um acorde dissonante ou iluminado
transmutando-nos em seres delicados altruístas
ressignificando perversas desumanidades
eu penso em charles baudelaire
alucinado de ópio e insight desfigurado
reescrevendo a modernidade
“é que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”
quando escrevo o que minha anima inspira
nessas horas onde o tempo germina
auroras luminosas de nossa impermanência
um desolhar de revés
tempo de sincronicidade
relâmpagos dissipando-se em silêncios
José Couto
Para Joelma Bittencourt, cuja poética me inspira