Pai nosso
Pelo sim pelo não
A imensidão do perdão
Tatuai-nos, tatuai-me
Sobre vossas chagas
O cálice, o amálgama, o pólen
A partícula mínima de vosso desejo
Pelo talvez sim ou não
De nossos dias, dai-nos Pai
O cristal fino a partir-se silenciosamente
Pelas varandas ermas de nosso ser
Enquanto um oboé derrama seus sons pungentes
Sobre o entardecer longínquo…longínquo…
Pai, transmutai-me no vosso anjo alaranjado
Percorrendo o céu ermo de vossa caridade
Lembrai-nos que somos um grão do nada.
*
“… a morte é mais inverossímil que a vida…”
“Não passa um dia em que não estejamos, por um instante, no paraíso.”
(J. L. Borges)
.
Era no paraíso e Deus estava ausente
Era um paraíso qualquer aquele lugar sem Deus presente
sem Seus olhos de vigia a tolher o arbítrio alheio…
em toda faina ou gozo, um fantasma de permeio…
Então era o paraíso e Deus não estava contente
nem descontente… Ele não estava
Não é preciso dizer que Deus lá não estava porque ninguém naquele paraíso nEle pensava
Vivia-se descrente de alguém assim tão excedente… e sem maldade!
Era no paraíso sem Deus e vivia-se incontinente no impreciso…
até o dia fatal do juízo, quando na iminência da própria ausência, de si em si, o sujeito pegasse a imaginar uma justificativa plausível, de eternidade.
Gustavo Terra
*
____ JOSIAS DE NAZARÉ ____
Josias de Nazaré
É um sujeito turrão,
Metido a valente,
Briguento e falastrão,
Josias de Nazaré
Tava meio perdidão,
Durango e faminto,
Pelas ruas da solidão,
Josias de Nazaré
Um dia viu o barracão,
Teto de capim seco,
Terra e poeira no chão,
Josias de Nazaré
Bronco e sem educação,
Abriu a porta com o pé
E gritou na locução:
-Que porra tá acontecendo aqui?
Josias de Nazaré
Olhou, prestou atenção,
Um monte de gente
Em volta de um colchão,
Josias de Nazaré
Espantado viu então:
Uma criança ali deitada
O olhou com mansidão,
O moleque sorria com os olhos,
Olhos reais, olhos de decisão,
E sem sequer mover os lábios
Falou nos ouvidos do grandão:
-Quando sair, leve meu riso contigo!
Desde então, Josias de Nazaré,
Anda feliz e leve pelas ruas,
E sente um treco danado de bão,
Entre uma batida e outra,
Do seu apaziguado coração!
*
O brilho da estrela
Nessa noite que lembra festa
Até para os que não festejam
Desejo o sossego do estábulo
Os sons peculiares e as surpresas
Ouvir o choro humano
Do Verbo encarnado
Habitando entre nós
Cheio de graça e verdade
E saber que não estou só .
Natal de luz
Chegou o tempo que todos são unânimes,
No quesito amor
Falam coisas boas,
Que na verdade é só da boca pra fora…
Enaltece o menino Jesus
No seu nascimento
Levam quilos de alimentos para a caridade
Querem presentes em troca
Esquece que o espírito é ao contrário..
Que o menino Jesus no seu aniversário
Deseja que todos vivam em harmonia
Sem ódio no coração
Que faça as coisas de coração
Que multiplique o amor
Com seu devido valor
Sem titubear jamais
O significado da paz que fita
No Natal de luz
*
CANTO DE NATAL
.
.
Nada dizia o grito seco da dor.
Não havia estigmas
Nem cantos fúnebres
Nem exibia os dentes
A tentação.
.
.
O sangue não se fizera santo
De submissão cega.
Na pele não cintilavam
Desespero, dúvida
E conflito.
.
.
O perdão não se chamava amor
E as pedras não ferviam
Sob seus pés cansados.
Nenhum torso nu
Em chagas.
.
.
Não sufocava ainda a esperança
O terrível peso da razão
E o austero logos eterno
Brincava de luz
Enternecido.
.
.
Os braços ainda não estavam abertos
No rosto o riso inocente
De quem não tem nos ombros
O peso do abandono
E do medo
.
.
Não havia ainda lutas e lugares
Nem dores, nem milagres
Só carne e mistério…
Uma pequena criança
Já nostálgica de Deus.
*
CARTÃO DE NATAL PARA MARIE NOEL
Nem as vidas de santos nos encorajam
a abstinência e jejuns.
Ele, Jesus, perdoa-me,
pois veio aos pecadores,
aos que se escondem em árvores,
ou debaixo de camas feito eu.
Até rainhas, se pretendem respeito,
precisam conhecer o seu fogão.
Conheço mais, conheço fome e culpa.
Meu estômago mói sem trégua,
só não tritura medo,
farinha que já vem pronta.
Mesmo imitando lâmpadas de azeite,
a lâmpada no sacrário é piedosa.
O padre não tem culpa, estudou em Roma
mas vem de família pobre,
julga pecar quando concede à beleza
o trono que lhe é devido.
Provo em desordem as emoções mais turvas.
Estou confusa e ansiosa,
mas de verdade desejo,
com uma ceia copiosa,
Feliz Natal para todos.
Adélia Prado
*
OUTROS E NOVOS NATAIS
E de repente dezembro desabrochou.
E foi esquentando o perfume das orquídeas e a música iluminou os esforços de se dar as mãos. Um borbulhar de esperanças começou a rondar os dias já coloridos do verde e vermelho importados para os jingles natalinos.
O brilho no presente, o artifício dos fogos, as pontas de cigarro queimando a noite, os brindes em taças espumantes e a alegria fértil de invenções morrendo na praia das novas esperanças: como se a salvação pertencesse a dezembro . É a festa da solidariedade que dura o tempo partido por cada um. E ela caminhará pelos morros, debaixo das marquises, nos asilos dos esquecidos, perdoará os mortos e abolirá os olhos apagados dos vivos. Caminhará em sandálias franciscanas, descerá em campos de futebol, se anunciará em comboios de quem está no mar mas nunca pensou em ensinar a pescar. E durará até romperem os novos dias com a maquiagem dourada das crenças cristãs sendo abandonadas nas esquinas, exatamente quando não mais servirem a este ano.
Então não percamos as horas. Façamos de hoje os nossos novos tempos. Quem sabe nos descobriremos fazendo de março ou de junho ou de setembro outros e novos natais!
Lou Lou
Interpretação: Carlos Eduardo Valente