Bem que ela tentou usar dos mesmos truques que ele usava para chamar-lhe a atenção. Deixara sua lagoa e embarcara sem que ele percebesse, no mesmo ônibus que o levou à Capital. Ele sequer imaginara que ela também aprendera algumas mágicas. Seu aprendizado foi de um jeito tão natural que se ele a tivesse visto teria imaginado uma figura enigmática, não aquele pequeno inseto que pulara em suas calças e escondera-se na bainha do tecido que cobria ameia colorida a lhe denunciar: era um palhaço. Mas não era um mágico?
No centro da Capital em meio a prateleiras e prateleiras de livros ele caminhava vagarosamente, parava vez em quando para conversar com um ou outro conhecido que passava perto. Ela não resistiu e começou a lançar seus sortilégios. O primeiro foi permitir que ele prestasse atenção numa carreira de formigas carregando algumas coisas como folhas ou pedaços de papéis. Em verdade o que ele via era uma projeção dela multiplicada. Era uma só, mas para ele pareciam ser várias, carregadoras.
Ele bem que quis prestar atenção nas conversas com as pessoas que cruzavam seu caminho, mas era desviado constantemente por aquele apelo que não dependia de sua vontade.
Ela chegou a achar que não conseguiria lançar algum sortilégio sobre ele, haja vista o tamanho desproporcional entre os dois. Ela, uma pequena formiguinha que cabia na unha de seu dedão. Ele um mágico, um palhaço, tão grande que se a espremesse entre seus dedos daria fim a sua curta vida antes que seu olho esquerdo pudesse piscar.
Sua dúvida dissipou-se e ela sentiu-se fortalecida quando conseguiu fazê-lo se agachar, ajoelhar-se e procura-la sob o banco da praça. Havia enganado aquele gigante. Ele a localizou e foi aí que a magia se inverteu. Ela fixou seus olhos nos olhos dele, tão perto que estavam um do outro, tentando uma invisibilidade ainda não experimentada. Desconcentrou-se por um segundo, pensando se conseguiria ou não tal intento.
E aí ela viu aquele nariz vermelho bem perto, a maquiagem do rosto com desenhos coloridos, a peruca de lã, e um sorriso que escancarou o seu em definitivo. “Bem que a minha avozinha me avisou um dia: o feitiço sempre volta para o feiticeiro”, ela pensou. O palhaço-mágico de imediato fê-la sentir-se sobre um skate. Os pés do banco estavam todos grafitados e de repente ela estava diante de uma geringonça que fora criada por uma criança para ajuda-la a despoluir a sua lagoa.
Oi! Disse-lhe o palhaço Dudu.
Oi, respondeu a formiguinha. Então tu és verdadeiramente um palhaço? Eu pensei que tu fosses só um ator.
– Todo palhaço é um ator e um mágico. Em 1986 eu fugi de um conto chamado “A Ponte Para O Outro Lado”, que estava escrito no livro “Tiremos A Sorte” que fora lançado nessa praça naquele ano. Eu vi que tu vieste presa à bainha da minha calça, porque moro na mesma cidade da tua lagoa.
– Por que permitistes que eu viesse junto se eu só queria imitar as tuas mágicas? Indagou a formiguinha.
– Ora, porque esperto como eu sou, percebi que havias fugido de um livro que está naquela prateleira e que, juntos, poderíamos achar o livro de onde fugi para que eu possa voltar à minha história. Afinal de contas o autor desses livros é o mesmo e ele deve estar chateado conosco por termos nos retirado de suas vidas e, veja bem, vamos que ele precise de nós para escrever novas aventuras nas quais sejamos novamente seus personagens.
E saíram revirando bancas procurando um livro com capa azul para que o ator-palhaço-mágico pudesse voltar a alegrar as crianças e os adultos com suas histórias.