Pai

 

há tantas coisas
que eu queria te dizer

 

mas minha mente me desmente
diz que você não pode ouvir
ver ou vir

 

daí te vejo me vejo revejo
rimos de bobagens
sem margens nem bagagens

 

até que a chuva de silêncios
escorre a dor a cor amor
de cor nos meus olhos

 

e as palavras se vão no vão 
das reticências das ciências
insuficiências

 

restando as rimas miseráveis
das miragens insuperáveis
saudades

 

Chris Hermann

 

*

Falta de Pai

 

Na barriga de minha mãe
meu pai plantou um poema
depois que o poema nasceu
não ficou para regá-lo

 

Cresci daninha
sem poda nem cortes
até ter raízes fortes
e casca bem dura

 

Agora que já sou poesia madura
veio me adubar com palavras

 

Você demorou, pai
não basta a semeadura
fez falta um regalo
um corte no caule
foi quando eu era verde

 

Norma De Souza Lopes

 

*

 

O valor dos perdedores

 

Naquele dia
A esta hora
Meu pai já se tinha ido

 

Não tivesse acontecido
Eu poderia encostar minha cabeça
No seu colo agora
Como naquele dia
Que nunca existiu

 

E ficaríamos quietinhos
Nós dois
Os únicos que entenderiam perfeitamente
Um no outro
O que é perder.

 

Adriane Garcia

*

Com-sequência

 

Nasceu menino com uma sina traçada
Iria crescer fortalecer os ombros
Para sustentar todo fardo que veria
Sobre seus assombros.

 

Adolesceu com a força do tempo
Despertou qual flor em botão
Desejava qual beija flor
Bolinar com as margaridas.

 

Adultando não adulterou sua conduta
Escolheu entre as flores do jardim
Uma que lhe agradara os olhos
E adornasse a vida por vir.

 

Semeou em campo fértil
Colheu seus botões, belos brotos,
O tempo sempre sutil
Fez florir em teu entorno.

 

Inexiste deserto onde se espalha vida…
E esta não se trai,
Crescei e multiplicai
Eis a missão de um Pai!

 

Jose Regi

*

ao pai

 

um dia tua hora chegou
esperada marcada inscrita 
no início dos séculos
encomendada para ser

 

toda a dor que eu venha
a converter em sangue
não terá significados
nem se comparará à tua

 

todo amor que eu consiga
transformar em riso
não se demorará à porta
do que foi tua entrega

 

embora não seja matéria
não és saudade enquanto
tua presença abraça-se comigo
como a parte que é eternidade

 

Lourença Lou

*

Braços & Abraços

Pai

Quando nasci, foste tu
que me recebes em teus braços.
Com o maior carinho me abraçaste
e naquele momento selaste nosso amor
com o símbolo da eternidade.

 

Segurando a tua forte mão
iniciei o meu aprendizado.
Teus braços e abraços 
me envolveram e me disseram
que nada temesse – pois estavas ali.

 

Adormecia em teu terno regaço.
E eram teus braços e abraços
que velavam meu sono infantil
e me acomodavam com ternura
em meu berço forrado de afeto.

 

Teus braços e abraços me acariciavam
enquanto me mostravas exemplos
de justiça, respeito e solidariedade
cujo tripé eram a base de teus valores.
Aprendi contigo o que era humanidade.

 

Pai, com teus firmes braços e abraços
Criaste pontes e fortalezas para que
eu pudesse enfrentar os obstáculos
com coragem e determinação sem
ter que aos teus braços recorrer.

 

Perdeste sete filhos e uma perna,
mas nunca perdeste a fé e a lucidez.
Dizias que Deus era quem decidia.
Que ele te dera e tirara e só ele
decidia o que terias que sofrer .

 

Lembro teu orgulho quando me formei.
Apoiaste a minha vontade de ser médica
pois pensavas que com minha sensibilidade,
seria pai e mãe ao também ouvir os pacientes,
afagando-os com meus braços e abraços.

 

Pai, tu não morreste, pois vives internalizado
num cantinho sagrado, dentro de mim.
Apenas seguiste um tanto na minha frente
para guardar o melhor lugar ao teu lado e,
me aconchegares com teus braços e abraços.

 

Themis Groisman Lopes

*

HEREDITARIEDADE

 

Não creio em vidas passadas. Desconfio até das atuais. Meu pai, Seu Zé Luiz, já não existe. Era triste, cheio de defeitos, mas digno. Anda comigo por aí, no meu jeito cético de olhar, no meu vício de beber… e de querer fornicar. “Só o sexo salva!”, dizia. (O corpo, por breve instante. A alma pressente a despedida. E agoniza.) Ainda há pouco, era Dia dos Pais. Agora é madrugada de segunda. A noite é de primeira. Há uma linda superlua no céu. Não faz frio, embora meu corpo lembre saudoso de um certo calor que me inspirava à beça. Não pronuncio o nome dela. Digito: “Dói vasto no meu íntimo”. Minha poesia não é supérflua. Visto uma camisa clara, cor da pele, dizem, pq não sou preto, nem vermelho ou amarelo. Sou poeta, involuntariamente, desde menino. É o meu delírio. Uso barba, grisalha, o que me envelhece. Mas não ligo. Desenho páginas, é o meu ofício. Desempenho a contento, mas, como todos, serei substituído a qualquer momento. É a lei, eu sei. Marcho célere rumo ao desemprego. Escrevo rápido. Boa digitação não é literatura. Descrevo bem as imagens, o q tampouco é pintura. Na contramão da engrenagem, vou dormir quando amanhece. Atravesso diariamente a Marginal. Não deixo de ser um. Estou quase fazendo jus ao nome do local. Não sei quem foi dr. Arnaldo, mas em sua avenida sempre penso no significado da palavra ‘legado’. Gosto de São Paulo, cidade onde me escondo fácil, camuflado na pedra. E na falta de espaço. Sinto saudade (fugaz) do tempo em que não vivi e um arrependimento (leve) pelo que ainda não fiz. Há muito sangue no tinteiro. E resmas de papel virtual ao vento. Carrego meu moderno celular no bolso esquerdo, sobre o coração antigo. Confronto signos e registro memórias sentimentais. Mas privilegio a razão. Sempre. Comumente me ponho no lugar do outro. Sinto dores (e parcas alegrias) que não são minhas. Sinto muito, sinto tudo. Reflexivo (ou míope?), sinto tanto, que às vezes nem vejo sentido. Mas nada digo. Não me permito desanimar totalmente. Seu Zé Luiz não existe mais e eu que já fui o filho, agora sou o pai. Finjo estar meio contente. Talvez seja importante passar algum amor pra frente.

 

Arnaldo Afonso

*

As mãos de meu pai

 

As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
– como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida – que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

 

Mario Quintana