nao-estar-coluna-jose-couto-o-alvoradense

Desacomodado, desejo as fragrâncias etéreas das partidas
Não estar aqui e nem em qualquer outro lugar algum
me ensinou a compreender o silêncio da água
a fenda secular forjada na rocha gota a gota

Não estar não permite extraviar-me nem criar raízes
Não estou no tempo, tampouco fora dele
Um beijo que levo comigo, embora amargurado
me identifica no não corpo marcado de intermináveis abandonos

Não estar não me confunde, nem esclarece
Sei ainda que na brevidade que amei e fui amado
uma árvore expor sua nudez a um pássaro
antes de sua seiva secar o perfume das bergamotas

Sei que acariciando o opaco das cicatrizes
reencontro sinais indecifráveis, enclausurados na pele dos ossos

Agora, pretendo um dia indagar, no dia que não estive
Para onde foi disseminada a luz, o sopro, o olhar, o oco, as sobras?

Não estar, quiçá nem tanto, nem pouco. ..pondero. ..

Jose Couto

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Zé, como é suave este teu permanecer-se na imaterialidade da [in]essência (Não estar aqui e nem em qualquer outro lugar) e da [in]existência (Não estou no tempo, tampouco fora dele).

Talvez, muitos, considerem teus versos paradoxais, e, inquietos, de si para si, imaginem perguntar: Como podemos ser, se a um só tempo estamos e não estamos [no tempo]?

Mas não há qualquer paradoxo.
Digo isto, por ter me permitido permanecer um tempo saboreando “as fragrâncias etéreas” das voltas e “das partidas” dos teus versos, que me conduziram a uma sutil fenda, que, transposta, lançou-me os olhos à contemplação de um certo Ser de mim mesmo que, mesmo sendo eu, não deixa de ser, ao mesmo tempo, um outro: um outro ser de mim mesmo.

Um alter-ser [outro ego] de mim mesmo que, no entanto, só pode ser eu, sendo outro: um outro indistintamente diverso do ser que possivelmente [é sabido, presumido que] seja eu
“Não estar não me confunde, nem esclarece”, tu me dizes e eu só posso concordar. Afinal, sendo ao mesmo tempo um eu e vários outros eus, todo o tempo estamos, não estando. Em cada instante, estamos e não estamos num mesmo exato lugar.

E é esta constante e obrigatória simultaneidade da presença-ausência de nosso ser e de destes outros eus de nós mesmos, que desfaz o aparente paradoxo
Quando um eu está, os outros eus todos de nós mesmos necessariamente não estarão.

Assim, quando me dizes que no dia em que não estiveste, pretendes indagar para onde foi disseminada a luz, o sopro, o olhar, o oco e as sobras… ponderando… quiçá, perceberás que tudo brota [de] e se dirige [a] um mesmo lugar: o eu mágico do poeta que habita este ser que imagina versos e, em os declamando, conduz infinitos eus – os eus de si mesmo e os eus dos outros – a lugares e não lugares onde [im]permanecerão pelo instante insondável de um sonho.

André Luís Fernandes Dutra

Sobre o poema “Não estar”

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Poema “Não estar” na interpretação de Willer Lopes: