“Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem”.

Thiago de Mello

Arte Marcin Sacha
Arte Marcin Sacha

*
Se algo em mim é poeta, compromete-se com o mundo, com a experiência sensível,
obriga-me a ter uma resposta franca e buscar a liberdade necessária para exprimi-la. Não
é possível a ninguém distanciar-se do mundo que habita e dos outros habitantes como se
esse mundo não lhe dissesse respeito, impossível um poema sem liberdade e sem o
respeito à verdade.

Amigos, não estamos vivendo um risco de um estado de exceção, estamos dentro dele.
Lamento dizer, não há mais como um brasileiro se por fora dessa disputa na preservação
e cumprimento da lei, há apenas como se omitir e fingir que não é responsável. O
momento possível de uma concórdia difusa se foi, ultrapassamos esse limite e agora
precisamos nos colocar, dizer francamente quem somos e o que queremos e mais que
tudo, nos responsabilizarmos por isto, porque até a omissão a história nos cobrará.
Ninguém é inocente. Entramos nessa situação insidiosamente, menos manipulados que
insuflados pelos meios de comunicação irresponsáveis e falaciosos, sob a omissão
permissiva e tendenciosa do judiciário.

No meio disso tudo há uma classe social assustada com a democratização de suas regalias e disposta a perder alguma coisa desde que seus novos vizinhos emergentes percam mais, para assim preservarem a distância e sua identidade social. Há os que se precipitam em copiar comportamentos, apenas para se identificarem com o estrato sócio econômico a que pertencem ou pensam pertencer. Há não se pode esquecer, os insatisfeitos com as mudanças e a forma como foram feitas. Para esses eu digo: nunca tivemos tantas mudanças, nem voltar ao passado é um bom futuro, basta ver como foi.

Há também uma fortuna incalculável, o pré-sal ampliada recentemente por mais uma
mega descoberta. Estamos falando da maior descoberta de petróleo que se tem notícia e
é muita má fé negar a manipulação dos interesses externos nesse processo. Imaginem
que seja possível alguém menosprezar essa fortuna virtualmente incalculável afirmando
que estamos à beira de uma alternativa razoável para o combustível fóssil, é preciso que
lhe digam que nunca estamos distante centímetros de algo feito com petróleo. O petróleo
não é só combustível como é matéria prima do mundo moderno. Essa é a fonte de nossos
problemas, a possibilidade de crescermos exponencialmente e os que querem tirar um
lucro pessoal e imediato com isso.

Nossa presidenta não está sendo investigada, não há culpa provada nem presumida,
apenas maliciosamente aventada. Basta o exame mais singelo dos fatos para se perceber
a insensatez das acusações. A verdade é que uma boa parcela dos brasileiros não está
interessada na verdade, está enlouquecida de medo e rancor e disposta a comprometer o
futuro dos filhos nisso.

Resta-nos agora reagir ao golpe ou afundar nele por décadas. Sairemos do golpe, já
fizemos isso, mas se afundarmos nele quando emergirmos não teremos mais o pré-sal, do
mesmo jeito que não temos mais a vale do Rio Doce, nem o Rio Doce, teremos só a lama,
igual a da Samarco para limpar.

Inês Monguilhott

NOSSO PLANO PARALELO
Enquanto o coro da tirana covardia
ameaça todo dia
provocar uma guerra
Vamos aos Céus na Ala da Poesia
e de lá traremos de volta
todos os Poetas para a Terra.
.
É o nosso Plano de Nego
O nosso Cavalo de Pau Grego:
enquanto os covardes
aos berros se enfartam
Os Poetas invadem
e desembarcam
poemando um novo aconchego

Edson Felizardo

*
Crise e desigualdade
Na sociedade
:
Enquanto muitos
Lutam por comida
Alguns lutam
Por piscina
*
Frente à crise
Na atual situação
:
Menos reação
Menos separação
Menos discussão

Mais REFLEXÃO
Mais UNIÃO
Mais AÇÃO

Inês Santos

*
o que pode a arte num mundo fascista
vivemos numa ferida aberta.
somos os pequenos vermes de deus.
vivemos em guetos que deveriam ser comunidades,
campos de extermínio do corpo e da consciência
que deveriam ser hospitais e escolas.
vivemos em bunkers
que deveriam ser casas, encaixotados antes de morrer
ou admirando gramados amplos
com nossas visões estreitas.
a guernica de picasso foi ampliada,
escapou da tela, ganhou o mundo.
moramos dentro de guernica,
e o bombardeio não para.
touros gritam, cavalos enlouquecem, vulcões acordam,
corpos são despedaçados, prédios queimam,
pássaros morrem,
o tempo todo mulheres choram sobre filhos mortos.
o tom geral é cinza,
a noite impera,
violenta.
há sempre um sujeito
que entra pela porta com uma lâmpada na mão
e ilumina a cena.
o que ele segura firme em sua mão é a arte.
eis o papel da luz: iluminar.
deixar ver, não ocultar o monstro.
e o monstro somos nós e nossos nós.
falamos de nazismos e de fascismos
como ficções doutro tempo
só pra esconder
o óbvio de que estamos dentro dele.
nós fizemos e fazemos todo dia esses fascismos.
levantamos muros contra os outros,
fingimos não ver os muros que levantam contra nós.
fingimos não ouvir o carregamento de pedras chegando.
fingimos não ouvir os pedreiros trabalhando, gritando,
e todos os ruídos que vêm de fora.
fingimos, fingimos: não somos poetas.
usamos no braço direito uma estrela,
no esquerdo uma suástica.
e não sabemos.
ferimos mulheres crianças negros índios
cães surdos cegos velhos gays
lésbicas fanhos albinos
e de vez em quando alguém com um sotaque esquisito.
ferimos qualquer signo que nos estranhe,
qualquer signo áspero
que não seja música aos nossos ouvidos.
ferimos o passado e o presente,
ameaçamos o futuro a cada novo dia.
ferimos a possibilidade da liberdade alheia
com nosso direito falso,
nossa falsa filosofia e a pirotecnia falsa
do que deveria ser literatura, cinema, poesia, música.
covardemente maquiamos o monstro,
escondemos o horror, fingimos não haver guernica.
nosso medo granítico não deixa a luz passar.
mas lá está o sujeito com a luz na mão,
ele entra pela porta sem pedir licença,
sem pedir licença ilumina o inferno.
eis a função da luz: revelar. re-velar.
iluminar de novo e de novo, fazer re-ver.
para isso, para nada.
porque mais vale o inútil do fazer
do que o inútil do não-fazer.
arte como instinto puro.
casamento pleno do sublime com o grotesco.
sem cartilhas ou regras.
sem travas, sem papas, sem línguas.
a arte não possui função social.
a função da arte é essencial.
é ser o que só ela pode ser,
a última trincheira.
comunicação entre essências,
comunicação duma nova experiência.
a arte sobrevive à mudança de políticas,
mudanças linguísticas, ideológicas.
quando todas as opiniões passaram
ela permanece.
quando os sonhos absurdos e ridículos do artista
já morreram
o que o atravessou permanece vivo.
os poemas nas cavernas.
a capela profana de michelangelo.
os fractais de picasso.
os noturnos iluminados de chopin.
a flauta carbônica de maiakóvski.
o ronco baixo de gregor samsa.
a jangada viva dos mortos de alberto lins caldas.
a terra desolada.
yorick na mão de hamlet.
tudo extremamente humano e revelador e necessário.
consciência trazida à tona,
revelação duma experiência única.
re-ver. re-ter. re-ler.
a função da arte não é social, é essencial.
não comunicar ideologias do momento.
não repetir o senso comum da pobre mídia rica.
não reduplicar memes mentiras memórias.
não assoviar enquanto dilaceram corpos na esquina.
não apagar a chama antes de entrar na sala.
não ajoelhar e ruminar a cantilena junto com a manada.
não acreditar no sentido do cardume.
não concordar com o cardume.
não acreditar que exista o cardume.
não podemos nos dar o luxo de pararmos de criar.
não podemos nos dar o luxo de não iluminar o inferno.
o sincronismo não nos dá esse bônus.
o monocromatismo do cardume é fascista.
o monocromatismo do cardume
é o que desejam os assassinos de rimbaud e de van gogh.
o monocromatismo do cardume é menos desejável
que a morte.
deixar ver é a função da arte.
ensaiar um ensaio sobre a cegueira.
estudar a anatomia da máquina tribal.
olhar para trás enquanto se caminha
e ver a paisagem se desfazendo sem o nosso olhar.
somos máquinas de significação.
mas o que significamos
deve ter o selo da indignação.
não perder o tom da indignação, o dom da indignação.
não se perder na pirotecnia e nos conchavos do cardume.
não se perder
nas políticas misticismos modismos
e outras quinquilharias invasoras.
a função da arte é essencial.
ressignificar.
dar ao outro a possibilidade de ver.
permitir ver.
inventar linguagens.
fazer poesia depois de auschwitz.
a poesia só é possível depois de auschwitz.
fazer poesia porque auschwitz.
não repetir, não submeter ou submeter-se,
não ruminar a ladainha, não dizer amém.
inventar linguagens,
plantar sementes de linguagem,
inventar línguas.
iluminar o inferno,
o grotesco, o injusto, o totalitário,
o monocromatismo do cardume.
tocar enquanto o prédio desaba.
tocar enquanto afunda o barco.
todo barco afunda.
todo prédio desaba.
tocar enquanto há dedos.
iluminar enquanto há olhos.
não perder a capacidade de se indignar
e ver as dilacerações do mundo.
para isso, para nada.
porque sim.
porque é belo
e é grotesco.
porque guernica cresceu e devorou o mundo.
porque talvez o mundo sempre tenha sido guernica.
porque talvez o mundo ainda não tenha sido,
nascido, aflorado.
o artista com o fogo roubado dos deuses.
o artista com a loucura necessária.
o artista com a chama
já lhe tocando os dedos os olhos a língua.
o artista como aquele que revela a cena.
não o maquiador do monstro.
não o camareiro dos idiotas de plantão.
não o subalterno lambedor de botas.
não o funcionário da burrice prepotente.
não o afiador de facas do torturador.
não o estilista do capeta.
não o tocador de realejo da praça de guerra.
não a manicure do carrasco.
não o advogado da perfídia.
não o coçador de costas oficial
do filho da puta do momento.
o artista sem momento.
o artista sem patrão e sem limites.
o artista simplesmente
como o sujeito que entra de repente e ilumina a cena
e revela a máquina monstruosa triturando tudo.
porque sim. por que não?
construímos guetos
e muros de medo em volta de guetos.
construímos campos de extermínio
do corpo e da consciência
como se não houvesse dor suficiente.
habitamos bunkers e afiamos facas
sonhando com a carne alheia,
admirando gramados amplos com nossas visões estreitas.
vivemos numa ferida aberta.
somos os pequenos vermes de deus.
somos deus – esse pequeno verme.
mas lá vem de novo o sujeito com a luz na mão.
ele entra sem pedir licença
e ilumina a cena.

Carlos Moreira