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Solilóquio

“A gente não morre. Fica encantado”.
Guimarães Rosa

A canção ecoa no precipício
Seu canto ermo e triste,
quer celebrar o frio.

Seu desejo é levar-nos,
fazer a travessia ou nos perder
em escuro labirinto.

Sopra tênue gelado fio de aço
em meu ouvido
Se diz irremediável.

Nenhuma certeza ou esperança a move,
Sua música entoa o canto letárgico,
Inevitável.

Tempo sem tempo marcado.
Ulisses, herói sombrio a vaguejar.
O sertão: redemoinho, encruzilhada.

Morte: odisseia épica e nos reinventar.
Somos seres espirituais
retornando ao lar.

Jose Couto

*

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o poeta

ele me deu sóis
e outras asas mais

meu voo
era prisioneiro
das perplexidades

(várias vezes
derrapei nos guetos
guerras
e fomes)

ele me disse:
poesia transcende
o que se sente

devolvi-lhe as asas

escrevo
para me ver
no brilho dos seus olhos

Lourença Lou (Lou Lou )

*

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MINGUANTE

.

A infância perdida da memória.
Os sonhos esquecidos na gaveta.
.
Os filhos – emancipados – mundo afora.
A saudade lacrimando frente ao espelho.
.

As horas que se esgotam no crepúsculo.
As obras que se evaporam à luz dos olhos.
.

A esperança navega sem bússola.
A vida que se esvai a cada ciclo.
.

Tudo se prostra diante do tempo.
Então uma dúvida salta do armário:
.

Não seria a morte a perfeita vida,
para a qual ainda não nascemos?
.

Ou seria a vida já a própria morte,
sendo vivida de dentro para fora?

Neurivan Sousa

Ao mestre Paulo Bentancur, in memoriam.

*

___ ESCREVO, DOM JOSÉ… ____

Escrevo, Dom Jose Couto,
Porque tenho olhos vesgos,
Ainda e sempre possíveis de surpresas,

Escrevo, Dom José,
Porque tenho uns companheiros
Ainda e sempre capazes de lágrimas,

Escrevo, Dom José,
Porque tenho um álter ego
Ainda e sempre afiado na gargalha,

Escrevo, Dom José
Porque mantenho meu desejo
Ainda habitável para os sonhos,

Escrevo, Dom José
Porque tenho gosto de amora
Na língua ainda tinta de molecagens,

Escrevo Dom José
Porque tenho esses braços cantores
Que solfejam aleluias quando abraçam,

Escrevo Dom José
Porque tenho carnes trêmulas
Ainda capazes de indignação e fúria,

Escrevo Dom José,
Porque tenho o coração lanhado
Todo mijado de terror e violências,

Escrevo Dom José
Para dizer à minha filha, amada,
Que nunca, nunca se renda ao vazio,

Escrevo Dom José
Para dizer à minha neta, amada,
Que nenhum valor paga sua liberdade,

Escrevo Dom José
Porque tenho um punhal de penas
Rasgando o grito e o esmalte dos dentes,

Escrevo Dom José
Porque trago a boca pronta
Para vômitos d’antanho e vinhos vindouros,

Escrevo Dom José
Porque o verbo escrito é escudo
Contra o verbo escuso da torpeza,

Escrevo Dom José
Porque minha fome de inéditos
Recusa a lasanha requentada do óbvio,

Escrevo Dom José
Porque minhas brânquias de anfíbio
Vibram na noite pagã como as cordas de Robert Johnson,

Escrevo, Dom José,
Porque aqui na Minhas Geraes
Guitarras vermelhas traduzem o Sol das montanhas,

Escrevo Dom José
Porque minhas veias fabricam catarses
Quando há sangue coagulado nas manhãs,

Escrevo Dom José
Porque minha alma hospitaleira
É albergue de prostitutas e imponderabilidades,

Escrevo Dom José
Porque no quintal da minha infância,
Ainda tem infinitos pés de manga-coquinha,

Escrevo Dom José
Porque meu aparelho de paladar
Adestrou-se em babas-de-moça, moças e encantos,

Escrevo Dom José
Porque ainda que não creia
Sou um apaixonado Devoto de Santo Antão dos Espantos!

Escrevo, Dom José,
Porque meu lápis desgovernado
Foi no boteco buscar uma garrafa de histórias,

E, por fim, Dom José,
Escrevo porque Dom Paulo morreu
E não posso permitir uma besteira dessas!

Wander Porto

*

Às vezes
quando anoitece,
escrevo.
Porque para me ouvir,
só o papel,
e o breu
do céu.

Jô Diniz

*

Porque minha alma semi- poetizada
Não aprendeu a gritar teus silêncios em voz alta,
Porém, em sussurros sopra ecos sobre minha sensibilidade,
Que na sutileza das horas se verte em ventania…

Inventa de ventar versos de seus avessos,
Transbordante de tudo que não lhe cabe,
Transmutando o caos em belo
A tormenta em calmaria.

Tudo ao ponto em que apela
A mais impar poesia.

Jose Regi

*

Sou poeta
E não tenho seta
Escrevo em linha reta
O meu pensar é único

Minha inspiração é um prazer
Que me excita a continuar
(A versar)
Não posso parar!
A poesia me sustenta, acalenta quem lê ..

(Então por isso continuo a escrever)

Tassio Henrique Cbjr

*

DA PALAVRA

Atravessa-me assim a Palavra:
ave migratória em busca
do melhor caminho
do melhor Tempo
para tornar sondáveis os mistérios
desse outro que me habita
e escrevo…

Escrevo por espanto e esperança
de carregar sob as penas
a chave que abrirá a porta
onde estão as Palavras
que aguardam
reivenção.

Helena da Rosa

*

sabe a mulherzinha
tipo cadela fugida
de casa
com coleira e correia
atracada

passeando livre
pelos costumes
e pecado original
com coleira e correia
atracada

provando com prazer
do osso duro de roer
com coleira e correia
atracada

antes de ser
apanhada por seu dono
nalgum beco sem saída
e levada de volta
à sua vidinha doméstica
com coleira e correia
atracada

escrevo para mostrar
a essa mulherzinha
que consigo ser
uma cadela fugida
de casa
bem sucedida
sem coleira e correia
atracada

Beatriz Lourenço baby Lou escriba de salto alto

*

escrevo
escavo
mundo

porque
sou escravo
acorrentado

ao tronco
do que me liberta
em letras

deste fundo
em que me abrigo
e brinco

com as palavras

diÔ Diovani Mendonça

pro Jose Couto

*

PROFANACIÓN

No escribo para llorar
las pérdidas y dolores,
ni tampoco para exorcizar
los espíritus del mal
o la legión de demonios
que acechan nuestros miedos,
ni mucho menos para huir
de una nefasta realidad
que por ventura nos ahogue:
escribo como ejercicio
para generar y fortalecer
la música de los sueños
y las llamas de la libertad,
escribo para que la luz
resplandeciente de la razón
y del amor
nos tome cuerpo y alma
y, con la ayuda de mis hermanos
amantes, locos y poetas,
escribo para profanar las sombras
y el silencio de otros mundos.

Antonio Torres

*

o grande circo místico

Leio
apreendo da linguagem
comum e esquecida – ela também
o milagre possível

Leio seu espetáculo
pratos girando e regirando
corrida pelo picadeiro
lanças afiadas
ou bailarina alada
equilibrista no lombo do tempo

Arrasto correntes
mamute dissonante
arranco palavra aos pedaços
– repito a prova
(a vida é um curso de ver
com olhos de ver
farejar
com olhos de ouvir
lamber os dedos após engolir o verso)

Minha voz falha
e falha em tudo
salvo na poesia que leio num tom infantil
blocos assimétricos
amarelinha de um pé só

Falho em tudo
mas não falha em mim
o poema
que progride como doença
tropeça na lona desmontada
mete a língua e retira
da boca
o substantivo e o verbo.

Adriana Aneli

*

– Para deixar cartas para o
passado

Cartas para o futuro.

Cartas do agora sempre invertido.
Origamis de letras em fendas da existência.

São as faltas e insucessos e temas da impermanência.

Elke Lubitz

*

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DESTINATÁRIO

Só eu me escrevo.
Nunca
sairão do papel as palavras
que ali se inquietam
e me ajeitam sem gravata.

Só eu me creio.
Envio e-mails a dez por cento
do que recebo, e é muito.
Floresce no poema,
erva daninha,
a linha de que me esquivei.

Só eu me crio.
Crivo de cravos as mãos
de um não-Cristo disposto
a carregar a pesada obra,
e então cobrar
copirraite de mim mesmo.

Afinal,
só eu me leio.

Paulo Bentancur

*

“Lembro que, recém alfabetizado, eu já imaginava como as palavras eram: algo que me fazia mais que apenas um corpo. Se simplesmente ditas, representavam (para mim, menino incorrigivelmente curioso e de ouvido sedento) um acontecimento. Imaginem ditas de forma especial. Essa forma eu fui encontrando à medida que crescia – nos contos de terror, nas histórias de aventura, nos poemas de amor ou metafísicos, nas frases caprichadas, musicais, que às vezes eu flagrava na boca de um parente, de um padre, de uma professora.
Percebi, bem cedo – que sorte a minha! –, que as palavras eram como semente, como água, como carne, como oxigênio.

Descobri o tesouro: salvei-me de ser somente um homem condenado aos azares da vida. Diante desses azares, se eles acontecessem, eu buscaria respostas, buscaria, através das palavras, consolo, compreensão frente ao pior, calma e controle ante o melhor (que até o melhor pode nos perturbar).
Entendi, menino ainda, que meu idioma era minha verdadeira pátria, e que o chão onde eu pisava podia, sim, livrar-me da queda, mas seria a minha língua que daria meu rumo.

Quando perdi minha mãe (nesta terça-feira, dia 29, completam-se seis anos), até naquela hora as palavras me salvaram, me deram um pouco do colo que ela já não podia me dar. A literatura, então, toma o lugar materno e me embala, continua a me ajudar a crescer, sempre, junto com a vida que mesmo nas perdas renasce um pouco.

Uma vez um jornalista me perguntou: “o que sentes pelos livros?” Respondi: “gratidão! São meus pais também. Me criaram e me ajudaram a viver, junto com meus pais de carne e osso.”
Eis o poder das palavras, eis o amor das palavras. Eis o seu papel miraculoso.

Quem lê, descobre que pode viver muitas vidas numa vida só.
Quem lê, percebe que um livro foi escrito por uma pessoa muito, mas muuuuito especial. (Evidente: refiro-me aos livros escritos com mais engenho que vaidade.) E que essa pessoa escreveu seu livro como quem pega o melhor de si e o oferece ao mundo.
Devemos ser gratos a quem escreve. Devemos ler tudo o que for possível lermos, escolhendo temas e linguagens de nossa preferência. Não como uma obrigação, mas como um remédio, porque saber salva.
Como uma ferramenta, porque saber constrói.
Como uma voz que se incorpora à nossa e faz com que possamos falar não apenas como um homem solitário, mas como toda a humanidade.”

Paulo Bentancur
Vídeo poema interpretação Carlos Eduardo Valente