Na semana passada, argumentei que parte dos/as protagonistas da política institucionalizada de Alvorada lembrava a República da Bruzundanga, tal como descrita por Lima Barreto em genial livro. Defendi a ideia de que as mudanças nas leis têm resultado em fortes prejuízos à coletividade. Fiquei surpreso com as sugestões de temas a explorar, assim como pelos comentários que recebi, tanto de (ex)alunos, colegas e amigos(as). A todos e todas, meu muito obrigado.

É verdade que nem todos os males do mundo da educação institucionalizada de Alvorada podem ser atribuídos aos poderes Executivo e Legislativo. Afinal de contas, quando se fala em participação nos Conselhos da educação municipal, a adesão é baixa. Quando é colocada em pauta a discussão dos motivos de, entre as redes municipais da região metropolitana de Porto Alegre, estarmos com os menores salários básicos, ainda assim a participação é reduzida. Pouco se tem debatido abertamente, por exemplo, sobre as causas de termos tão alta rotatividade na rede. Quando a cabeça não ajuda, o corpo padece… esse cenário de elevada apatia tem reforçado uma cultura política autoritária. Isto é, o Executivo municipal faz o que bem entende, os cargos são todos da Smed, e o magistério vai se ajustando à inércia.

É no contexto da descentralização das tomadas de decisão e do acompanhamento e fiscalização das medidas governamentais que os Conselhos foram criados. Na rede municipal de Alvorada temos o Conselho Municipal de Educação (CME), Conselho Municipal da Merenda Escolar (COMAE) e o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB (CONFUNDEB). O último deles, do qual fiz parte, é um Conselho de acompanhamento da utilização dos recursos. Ou seja, apenas verifica a utilização dos recursos, tal como alocados pela Smed e Executivo Municipal. O Conselho da Merenda tem a mesma natureza, mas pode discutir, por exemplo, sobre o cardápio alimentar oferecido nas escolas.

Já o Conselho Municipal de Educação tem funções múltiplas: tem função consultiva (responde a questões encaminhadas), normativa (estabelece regulamentações complementares), deliberativa (decide sobre matérias que tem poder de decisão) e fiscalizadora (fiscaliza o cumprimento da legislação municipal). Tarefa complexa. E é aí que temos uma boa notícia, quem sabe uma oportunidade para qualificar nossa educação institucional. Considerando que Alvorada é o único município da região metropolitana que não possui sistema municipal de educação regulamentado em legislação específica, o CME elaborou minuta de projeto de lei, sendo que a mesma já foi enviada à Câmara de vereadores. Certamente ela sofrerá alterações pela vereança, mas é um passo fundamental para fazer com que o dinheiro da educação seja efetivamente aplicado em educação. De qualquer maneira, difícil acreditar que, por birra com o Executivo, não aprovariam lei de tamanha importância. Isso só aconteceria na Bruzundanga…

Uma questão importante, e que o CME e os outros Conselhos poderão deliberar a fundo, diz respeito ao percentual do FUNDEB utilizado para o pagamento de salários de professores, o FUNDEB 60%. Os dados, no quadro abaixo, foram fornecidos pelo Sindicato dos Municipários (SIMA), e revelam que a política salarial de todos os municípios, em comparação com Alvorada, privilegia quem possui regência de classe. E o que está impedindo avanços salariais? Em boa parte, as terceirizações dos serviços de cozinha, manutenção, portaria nas escolas. A quem interessam as terceirizações, que jogam cargos à extinção e enfraquece o fato de que o ingresso no serviço público se dá através do concurso? Mas há outros fatores operando, e é fundamental que esse debate seja enfrentado.

Município Percentual FUNDEB 60%, em 2015
Alvorada $$$$$62,86%
São Leopoldo 66,34%
Viamão 67,88%
Sapucaia do Sul 68,12%
Santo Antônio da Patrulha 74,99%
Canoas 79,66%
Gravataí 81,51%
Porto Alegre 82,25%
Novo Hamburgo 89,52%
Guaíba 95,55%

 

Há quem defenda que a saída seja a criação de associação de professores, e até mesmo sindicato específico. A principal alegação está no fato de que a educação institucionalizada possui verba própria, o FUNDEB. Talvez essa seja uma saída, visando aumentar as pressões políticas para mudanças de rumo. No entanto, cabe lembrar que o aumento de participação do magistério não se dá por decreto, na base do canetaço. Se já existem instituições para encaminhar as demandas, qual o sentido de se criar muitas outras mais? Afinal de contas, a vida democrática também exige tempo, o debate e informação qualificada. Sem organizar a educação, qualquer tipo de avanço nos índices ou nas escolas será bastante difícil, senão impossível.

Agenda (1): o professor Johann Alex de Souza lançou em Alvorada, em dezembro do ano passado na sede do Sima, o seu livro-CD “O Projeto Primeiras Notas de Alvorada e as Canções da Sala de Aula”. Artista premiadíssimo, seu livro está lindo e expõe diversas facetas: o professor que faz a discussão pedagógica, o artista que expõe seus trabalhos, o militante e suas crenças, o realizador de projetos e o executor de projetos. Muito me honra ter sido um dos patrocinadores (e também ser lembrado) do Reação Entre Amigos, uma compra antecipada do livro. É verdade que ainda devo uma resenha caprichada desse livro; por enquanto, que tal um programaço para sábado próximo, dia 2 de abril, a partir das 20 horas? O professor Johann estará dando show, e com entrada franca. O evento acontecerá na sede do Ói Nóis Aqui Traveiz, editora do livro (Rua Santos Dumont, 1186). Para aquisição, o livro-CD custará 40 reais.

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Segue o release da obra:

“Johann Alex de Souza é professor de música na rede municipal de ensino da cidade de Alvorada. Além disso, durante todo o ano de 2013, trabalhou na secretaria municipal de educação. A serviço da vai oSMED de Alvorada criou o projeto Primeiras Notas, curso de formação em música para professores dos anos iniciais. Um dos principais objetivos do projeto era dar cumprimento à lei 11.769/2008 sobre a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas. Assim, professoras dos anos iniciais receberam treinamento para se tornarem futuras educadoras musicais. A experiência pedagógica com mais de quarenta professoras e durante todo o ano de 2013 resultou no livro “O Projeto Primeiras Notas de Alvorada e as Canções de Sala de Aula do Prof. Johann”. Além do relato sobre todo o processo o livro vem com um CD encartado. No CD, canções que foram utilizadas no curso, compostas, especialmente, para situações de sala de aula acompanhadas de playbacks e sugestões de dinâmica para ações na escola formal.

No livro há também depoimentos de professoras que participaram do curso e de outros professores de música que conheceram o projeto. O texto é uma narrativa de pesquisa prática na área de educação musical. O registro de tentativas em meio à saga utópica de implantar ensino de música na escola formal. O projeto Primeiras Notas foi pioneiro em seu formato, uma iniciativa abarcada pela secretaria municipal de educação, mas que teve o seu desenvolvimento abortado até hoje sem se saber o motivo. A narrativa é romanceada, mas não há nada de fictício. Qualquer semelhança com fatos reais não será mera coincidência.

No CD há participações especiais de alunos da E.M.E.F. Gentil Machado de Godoy, Prof.ª Lúcia da Silva com o grupo de flautas da escola estadual N.S. Aparecida e das cantoras Isabel Schmitt e Leonor Melo.

Em dezembro de 2015 o livro-CD foi lançado em Alvorada, agora será a vez de Porto Alegre dentro da programação de aniversário do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz. O lançamento será no próximo dia 02 de abril as 20 hs na sede do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz. Antes do lançamento haverá um pequeno show musical com algumas canções que fazem parte do CD que acompanha o livro. No palco além de Johann Alex de Souza na voz e violão, Leonor Melo (voz), Isabel Schmitt (vocal), Vinicius Prates (flauta), Zé Evandro (percussão), Cristhian Bocalon (acordeom) e a participação especial de Tânia Farias, Paula Carvalho e outros integrantes do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz. O Show tem entrada franca e a sede do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz fica na rua Santos Dumont n. 1186”

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Agenda (2): os professores Cristiano Neves da Rosa e Carlos A. Gadea lançam na terça-feira, dia 5 de abril, o livro “Esportes, Lazer e Vigilância: entre discursos e segurança pública”. O evento acontecerá na Associação Educacional Luterana do Brasil, no saguão do prédio 55 do curso de Educação Física, dia 5 de abril, a partir das 19 horas.

Comecei a ter contato com o professor Cristiano por intermédio do José Leandro, meu ex-vice-diretor na Escola Carlos Drummond de Andrade, lá no Ginásio Municipal, a partir de 2013. Rapidamente descobrimos um ponto em comum: o interesse pela sociologia, pelas ciências humanas e pelos debates. Nesse ano ele coordenou, junto com a professora Carla Cardoso, a execução da etapa municipal de um excelente Programa, o Atleta na Escola. E ano passado nos encontramos novamente, quando ele fez parte da equipe técnica que se encarregou de elaborar, nos bastidores, o diagnóstico da educação formal, disponível no Plano Municipal de Educação. Hoje está em licença-interesse do município, pois cursa doutorado em Ciências do Movimento Humano na Escola de Educação Física na UFRGS, leciona na rede municipal de Porto Alegre e também na ULBRA. Muito me alegrou receber um exemplar do livro de presente de Páscoa, tão logo avisei que colocaria uma nota sobre seu lançamento, e também trocar algumas ideias com o amigo… fica aí mais uma resenha por fazer, dada a relevância do tema.

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O livro é resultado de pelo menos dez anos de pesquisa. A partir do método etnográfico e da análise de discurso, estudam o caso do bairro Guajuviras, em Canoas. O local, antes resultado das ocupações a partir de 1987 (na mesma época em que apartamentos do Jardim Leopoldina, e também no 11 de abril, em Alvorada, foram ocupados), foi sendo envolvido por discursos que o colocou como um local a ser governado para a pacificação através de políticas de segurança pública (Pronasci/PELC), pois “a ideia central é que os jovens estão envolvidos e posicionados em uma teia discursiva que atribuiu status ao bairro que habitam como território de vulnerabilidade social a ser pacificado por um conjunto de ações de segurança, num lugar em que o cotidiano de potência de vida e histórias de lutas e resistências foi suprimido pelos discursos que construíram uma realidade social reprodutora do fenômeno da violência” (p.20).

Na prática, em vez do esporte e lazer serem defendidos como um direito social juvenil, as práticas já existentes acabam sendo apropriadas pelo Estado. E o mais perverso: acabam servindo como instrumentos de controle da sociabilidade dos jovens. O tema dá “pano para a manga”, mas engana-se quem pensa que ações do tipo não devem acontecer. Desse ponto de vista, trata-se da crítica à forma com que as políticas públicas são pensadas, disseminadas e implementadas, e não ao conteúdo das mesmas.

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