Será verdade que a maioria das pessoas admite apoiar a Lei de Talião? Surgida aproximadamente no ano 1772 antes de Cristo e escrita pelo Rei Hamurábi na mesopotâmia, atual sudoeste do Irã, essa lei implica na rigorosa reciprocidade entre o crime e a pena se ser aplicada. É justamente daí que surgiu a máxima “olho por olho, dente por dente”. A vingança e a retaliação são suas variantes mais comuns. Dito isso, o que podemos dizer sobre o Brasil?

O antropólogo Roberto DaMatta mostrou no clássico Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema do brasileiro, que sofremos de um dilema cultural que tende ora para a democracia, ora para o autoritarismo. E que isso era resultado de um conflito entre o tradicional e o moderno, gerando comportamento pendular.  Além disso, detectou a existência de uma “zona cinzenta” que se manifesta através do “jeitinho”, nas procissões, no Carnaval, na política, e por aí vai.

O livro mais recente que retomou essa tese e a testou foi A Cabeça do Brasileiro, de Alberto Carlos Almeida. Publicado em 2007, entre outros temas igualmente relevantes, foi mensurado o grau de aceitação de punições ilegais e o apoio a determinados comportamentos sociais: linchamentos, contratação de grupos de extermínio ou pistoleiros, assassinatos de bandidos e condenados por estupro serem estuprados. A fonte dos dados utilizada no livro de Almeida foi a Pesquisa Social Brasileira (PESB). Através de amostra probabilística, foram entrevistadas 2.363 pessoas em cidades acima de vinte mil habitantes (102 municípios), em outubro de 2002.

Vejamos: o condenado por estupro ser estuprado foi considerado sempre certos e certos na maioria das vezes por 39% dos entrevistados. A polícia espancar presos para confessar crimes, típica cena de Tropa de Elite I, foi aceita por 36% e a população tomar a iniciativa de linchar suspeitos de crimes violentos teve adesão de 28%. No entanto, quando se trata da aceitação de crimes individualmente cometidos, a coisa muda de figura: fazer justiça com as próprias mãos foi aceito por apenas 8%, e a contratação de alguém para matar suspeito de crimes, pífios 5%.

As descobertas mais importantes se dão quando são verificados o perfil e onde estão os maiores apoiadores das punições ilegais: maior apoio se dá nas regiões nordeste e centro-oeste; jovens apoiam mais as punições ilegais do que os mais velhos; pessoas de escolaridade mais baixa apoiam as punições ilegais do que as de escolaridade mais alta. Ter enfrentado situação de violência, ou a sensação de insegurança é estatisticamente irrelevante. Além disso, quanto maior o apoio e a confiança na polícia, maios a tendência de admitir que ela possa executar um criminoso. Quanto à tolerância com as ilegalidades da polícia, nenhum fator conjuntural interfere.

No entanto, há dois fatores estruturais que incidem na aceitação da Lei de Talião. São as cerejas do bolo, e pesquisadores costumam chamá-las por preditores – isto é, quando o/a pesquisador sabe de apenas uma das variáveis, possui grande chance de acertar a outra. O primeiro dessas cerejas é a religiosidade. Ou seja, quanto maior a religiosidade e maior a participação nos cultos, sessões, missas, rituais etc., menor a aceitação de comportamentos ilegais. Faz sentido. A segunda cereja é a educação formal, medida em anos de estudo. É exatamente por isso que se diz que a educação é instrumento de transformação social.

A Pesquisa Social Brasileira e o livro não contemplaram o que brasileiros pensam sobre a ideia de que “bandido bom é bandido morto”. No entanto, anualmente o Datafolha realiza pesquisa com este tema. Em 2015, metade dos brasileiros concordavam com essa ideia. Em 2016, os dados foram apresentados no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e mostram que a defesa da ideia de bandido bom é bandido morto saltou para 57% da população brasileira. No mês de agosto foram entrevistadas 3.625 pessoas em pontos de fluxo de 217 municípios. A tabela da página 125 deixa tendência inequívoca: homens, jovens e baixa escolaridade tendem a sua defesa. Do ponto de vista da escolarização formal, o curso superior permanece revelando importante guinada.

No entanto, quando se faz o corte geográfico, não há diferenças significativas. Exceto uma: na região sul, onde 61% dos entrevistados concorda, 24% discorda, 11% ficou indeciso e apenas 4% não soube ou não quis responder sobre a ideia. Sim, historicamente somos os “diferentões”: o que dizer de um estado que, um dia, vendeu a ideia de ter sido o “celeiro do Brasil”, a vanguarda da vida política institucionalizada, cujos eleitores eram os “mais conscientes” do país? Estariam as causas no processo de colonização? Não há respostas; apenas dúvidas. De qualquer forma, este resultado é um…

Retomando a Pesquisa Social Brasileira, Alberto Carlos Almeida chama atenção ao fato de que a “incorporação do ideário democrático e liberal precisa esperar mais de 11 anos de formação escolar, quando poderia ser alcançada com apenas quatro ou mesmo oito anos de escolaridade formal completa” (p.146). Fica a questão: por quais motivos isso não acontece com nossos estudantes, tão logo finalizem o Ensino Fundamental ou Médio? A resposta está nas escolas, e trata-se de uma questão pedagógica: enquanto a escola negligenciar o fato de que devem ser o espaço do questionamento, da contra-hegemonia e de enfrentamento das desigualdades, em especial as relações de gênero e as raciais, dificilmente teremos efetiva democracia e, por consequência, mudança de mentalidade.

Para finalizar, trabalho nesta cidade desde 2004 e resido nela desde 2008. Tenho muito a aprender, e mais dúvidas do que respostas. A escrita deste texto, por exemplo, primeiramente me levou a “testar” a pergunta sobre “bandido bom é bandido morto” junto a amigos e amigas através do Whatsapp, e sou muito grato. Por isso pergunto: poderíamos dizer que existe uma lógica de Talião à alvoradense? Isto é, alguma forma de se fazer vingança e retaliação que seja específica de Alvorada, seja na vida política, nas escolas, nas ruas, e por aí vai? Agora é a sua vez…

Em tempo (1): meu texto anterior trazia ao debate uma pesquisa, utilizada para legitimar o “pacotaço” pelo governador Sartori (PMDB). Portanto, foi escrito antes de sua votação. A medida mais importante tem a ver com a socialização dos custos dessa crise. A PEC do duodécimo e que implicava em restrições orçamentárias ao legislativo e Judiciário. Como votou a oposição? Vejamos: as bancadas do PT, incluindo Stela Farias, e do PC do B (Juliano Roso e Manuela D’ávila) votaram contra; também votaram não os deputados Pedro Ruas (PSOL) e Regina Becker Fortunati (Rede). Já a bancada do PDT rachou: Enio Bacci, Juliana Brizola e Marlon Santos também foram contrários. Resultado: a medida não passou. São a oposição que o governo gosta. Vergonha alheia. Sem mais.

Em tempo (2): bastou um texto do companheiro Igor para gerar desespero na cúpula do governo municipal que, na época, sequer tinha tomado posse. A partir disso, na minha opinião comete seu primeiro erro: fundir as secretarias de cultura e de juventude e esportes em uma só. Nada contra a indicação do “boleiro” Alcides Bolico (PDT), mas poderiam ter feito a fusão com a Secretaria de Educação. O potencial para políticas públicas transversais seria bem maior. Pena: juntaram duas secretarias sem verbas, levando a mais “carguismos”.

Em tempo (3): enquanto o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Junior (PSDB) anuncia que não haverá verba para o Carnaval, Alvorada vai na contramão, sendo que a maioria dos carnavalescos resolveram fundar uma liga “independente”. Os motivos reais ainda são nebulosos. De qualquer forma, partem do princípio de que realmente o evento acontecerá na cidade, e que a torneira não será fechada. Quem viver verá… aguardem.

Em tempo (4): para quem já concluiu o Ensino Médio e pretende fazer vestibular, o Centro dos Estudantes Universitários de Engenharia (CEUE/UFRGS) mantém seu próprio cursinho. São 240 vagas, sendo que algumas bolsas são integrais e outras para a monitoria. O edital está aqui.

Ceue

Em tempo (5): enquanto isso, aqui em Alvorada a União das Associações de Moradores de Alvorada (Uama) e o Coletivo Anti-racismo Minervino de Oliveira estarão oferecendo debate sobre a importância do ingresso ao curso superior para as classes populares e a construção de cursinho pré-vestibular. Além de debater no evento e incentivar a iniciativa, cederei algumas horas semanais para viabilizar o projeto. Quem sabe lecionando geografia, filosofia ou sociologia…

Em tempo (6): a nova mesa diretora, presidida pelo Vereador Darci Barth (PMDB) começou com o pé direito: cortou 82% dos cargos em comissão e outros cortes, priorizando concluir a obra de sua sede própria, mas pode mais. Quem sabe, a extinção definitiva do pagamento das diárias para Porto Alegre? E em respeito ao princípio da laicidade, que tal o fim da leitura das orações e da Bíblia Sagrada, no começo das sessões? Se é para ter alguma ideia antes de iniciarem as sessões, que tal uma reflexão filosófica?

Em tempo (7): diante da informação de que, na Câmara de Vereadores, o nepotismo reina em alguns gabinetes, cabe relembrar o conteúdo da 13ª Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal de agosto de 2008: “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. Aguardaremos todas as medidas cabíveis; diante da negativa, esta coluna será implacável.