Os astros convergiram a meu favor e um dia antes da minha esposa dar a luz, com um ingresso cedido por um colega colecionador (valeu, Nonô!) fui assistir Batman v Superman: a origem da Justiça. Será que Zack Snyder conseguiu dessas vez?
Como todo mundo sabe, eu não sou um leitor ávido da DC, mas a trindade está acima da briga editorial. Superman, Batman e mulher Maravilha estão no inconsciente coletivo de todo mundo que já foi criança. Eles são os modelos de super-herói, por assim dizer, e são uma referência inegável dentro da cultura pop. Isso dito, confesso que fui ao cinema com a expectativa lá embaixo, especialmente pelo que foi (mal)apresentado em Homem de Aço, e pelas sucessivas falhas do diretor, que a rigor só acertou mesmo na adaptação de “300” e até hoje divide opiniões com o final “melhorado” de Watchmen.
Mas o mundo da volta amiguinhos, e dessa vez terei que dar o braço a torcer. Snyder foi muito bem na maioria de suas escolhas e repete menos os seus vícios conhecidos, como o excesso de câmera lenta, sempre tão criticado, e as explicações demasiadas durante a trama. Além disso, o diretor mostrou coragem ao assumir e inserir diversas situações e citações dos quadrinhos, algumas que eu julgava inadaptáveis sem um preparo prévio.
Se você já leu alguns clássicos da DC como “Morte em família”, “Cavaleiro das trevas” e “Crise nas infinitas Terras”, certamente vai reconhecer algumas situações, mas se não leu elas passam batidas e não atrapalham o entendimento da trama, exceto talvez por uma cena envolvendo outro herói da DC durante um devaneio de Bruce Wayne.
Claro que em alguns momentos o filme fica um pouco corrido, afinal temos dois protagonistas, uma coadjuvante de luxo e mais três heróis inseridos. Contudo, o fato de não se tratar de um filme de origem já é algo digno de elogios, por qA DC/Warner não tem mais tempo para fazer o que a Marvel fez em quase uma década, apresentando um a um seus heróis, e Snyder parece ter encontrado uma forma aceitável de fazer isso, confiando na popularidade dos personagens. Definitivamente a briga com a Marvel fica mais parelha agora que a DC finalmente fez um bom filme de super-heróis, encontrando um padrão e sem ter que repetir a fórmula da Marvel, que apesar de segura é pouco inventiva, na maioria das vezes.
Marvel e DC são antagonistas nos quadrinhos em diversos aspectos, desde a linha editorial até o modo como tratam seus artistas. As editoras, apesar de dividirem o público alvo e o gênero, abordam o universo dos heróis de formas distintas, o que começa a se repetir de forma mais clara no cinema. Portanto, não compare as produções, pois elas não se propõem a serem iguais.
Voltando ao filme, o enredo não surpreende, verdade seja dita. Os trailers entregaram 90% dos grandes momentos. Temos um Superman em conflito, sendo questionado pela legalidade e consequência de seus atos e um Bruce Wayne convencido de que, pelo menos, o semideus alienígena deve temer alguém e pagar pela destruição que infligiu a cidade. Apenas uma ameaça maior os faria unir forças, o que convenientemente vem a acontecer, e que de outra forma impossibilitaria a conclusão da película.uê, sejamos honestos: com exceção da Mulher Maravilha, um pouco menos presente para o grande público, todo mundo está careca de saber de onde Batman e Superman vieram, não é mesmo? Além disso, os ganchos que o filme vai deixando realmente te deixam com vontade de assistir o futuro filme da Liga da Justiça.
Nesse contexto político/social aquecido entra o oportunismo de Lex Luthor, um jovem e psicótico gênio bilionário, que oferece seus serviços ao governo americano em troca de algumas regalias de cunho científico, obviamente com a mais vil das intenções. Temos aí desenhada a trama que nos leva a ameaça final e união de forças no primeiro encontro da trindade.
O elenco tem seus altos e baixos, com um Jeremy Irons no automático na nova versão do mordomo Alfred, agora muito mais jovem e operante em todos os aspectos, o que deve causar estranheza no grande público. Laurence Fishburne tem mais tempo de tela do que no filme solo do Superman e faz um Perry White convincente, assim como a fidedigna Lois Lane de Amy Adams, tão bonita quanto intrépida.
Infelizmente, o Superman continua um personagem inseguro, fruto da pouca experiência como herói. Além disso, Henry Cavil carece de talento em alguns momentos dramáticos, embora fisicamente seja ideal para o papel. A relação de casal entre o Super/Clark e Lois foi bem explorada e aproxima o espectador dos personagens, deixa o herói menos messiânico e dá o tom para os dilemas do herói, assim como a relação com sua mãe Martha Kent(Diane Lane).
O Batman de Ben Affleck está perfeito, embora alguns exageros do diretor, especialmente o fetiche em marcação de gado. Affleck nos brinda com a melhor versão do morcego no cinema, um personagem denso e sombrio, tanto na figura de Bruce Wayne quanto atuando como herói. O ator conseguiu achar o tom certo, sem forçar um personagem amargurado ou frio demais. Cristian Bale foi largamente superado, assim como as cenas de luta em que não se entenida nada da última trilogia do Batman.
O lado detetive do morcego está bem explorado, assim como sua perícia em combate corpo a corpo. Gal Gadot entrega uma Mulher Maravilha misteriosa e segura, mostrando-se tão ou mais poderosa que o Superman. A escolha da atriz, muito criticada pelo seu porte físico pouco avantajado, se justificou plenamente. Uma mulher mais vigorosa fisicamente não se encaixaria na versão que Snyder trouxe para as telas, onde a personagem usa a aparente fragilidade física como embuste.
Definitivamente deixou uma boa impressão para seu filme solo. E por fim, Luthor. O que dizer? Me incomodou menos do que pensei. O personagem se justifica, é uma versão nova do vilão, um pouco exagerada, é verdade. Jesse Eisenberg faz um bom trabalho, mas não consigo deixar de pensar em como um ator do porte de Bryan Cranston(Breaking Bad) poderia ter tornado o filme muito melhor em seu lugar, com uma atuação digna de quem já concorreu ao Oscar, claro, se o papel fosse escrito para ele.
Em suma, temos um bom filme de super heróis. O primeiro da “sombria” DC dentro do gênero, desconsiderando aqui a trilogia de Christopher Nolan, que apesar de ter gerado um grande filme( O cavaleiro das trevas), não se encaixa no gênero, assim como o questionável “O Homem de aço”. Mesmo com alguns atalhos fáceis demais e vilões descaracterizados (o Apocalipse lembra um pouco o que fizeram com o Deadpool no primeiro filme solo do Wolverine), o filme se sustenta bem, tem uma cena épica de luta entre os protagonistas e entrega o que o público, leigo e fanático, foi buscar, tentando manter a seriedade mas sem esqucer que, afinal de contas, trata-se de um filme de super-heróis. A DC finalmente entrou na corrida e conseguiu deixar até mesmo um marvete inveterado como eu, satisfeito. Torçamos pra que Zack Snyder mantenha os pés no chão e a câmera na velocidade normal.
Texto originalmente publicado em www.toyquest.com.br