POENTE
Vem pai!
O galo de São Pedro
já cantou três vezes
mamãe Maria do Socorro
chora no calvário
nem Judas
te oferece beijos
e a caneta da opulência
já foi para o Senado!
Feeé paai!
quando me pensaste
era certo o desenho!
Mesmo tísico o ventre
rompi a bolsa de desvalores
e deságio
e ponho a minha
inocência à tapa!
Levaaaaanta paaai!
Equilibra-te
sob a carapuça
pr’eu te pender junto ao vovô
no porta-chapéus
da sala imaginária
guardando a honra
dos homens
e o murmúrio das mulheres.
Coooorrrreee paaaai!
A melhor ultrapassagem
é palmear o rumo.
Tanto mais distantes da nascente
os tesouros,
mais estilhaços para a tarrafa.
Mas teu grito de independência
junto aos marginais do Ipiranga
não abalroa o Império
de Dom Enésimo I.
Ajuuuuuuuuda paaaaai!!!
Antes que o teu peso
se desabe sobre o meu
feito outra enchente do morro.
Pedra rolando sobre a flor
feito a ira do Redentor
contra o patrimônio da
desumanidade.
Veeeeeeem paaaaaai!
Antes que a droga da tua vida
torne a tua culpa o teu pó-len
e escara-velhos do Tesouro
te confundam com merda!
Vem à tua criancinha
Ó! aflito e manso!
Embriaga-te nesta unção
mais pura que a de João Batista.
Vem p……..aaaaaaaaaaaai!
Antes que cinja
o poente do teu horizonte!
Consuelo Pereira Rezende Do Nascimento
*
Todo amor deveria ser correspondido.
Parentes, sempre afetuosos.
Amigos, sempre sinceros.
Solidão e dor deveriam ser apenas mitos de alguma história de mistério.
Tudo que desejamos deveria ser também a melhor opção para que crescêssemos.
Mas a vida tem outros critérios, e nos resta tentar encontrar a alegria, mesmo quando viver nos custa tanto desencanto.
*
Cantilena de Saudades
Eu te amava meu velho pai
Menino éramos no espelho
Eu agora velhinho te abraço
No descompasso dos meus braços
Só li tá rios no tempo
Já eras mítico e sagrado
Guardado em meus baús azuis da infância Eu achava o mundo um reino de pecados
E eu guardado sem saber
No caminho dos teus olhos ensolarados
Sem ter distâncias e ânsias para sofrer
Voa voa voa meu menino passarinho
Entre as nuvens de barbas brancas do meu destino
Agora sou teu velho no espelho menino
No céu dos teus passos no chão azulado
O espelho cruza as pipas do nosso destino
As tuas pegadas estão nas mãos da minha poesia
Que ainda me salva dos naufrágios e dos maus presságios
Nessa guerrilha dos dias
Cadê nossas lutas companheiras
E nas solitárias ilhas
Do mar amargo das noites sombrias
Procuro teu NAVIO DE ESTRELAS !
*
Monjolo
Um chão vermelho
de goiabas e cheiros
me regressa
e assim
meio rio, meio córrego
tento dar-lhe fundo
Eu sei, pai
foi seu braço que fez o mundo.
*
Pai
Sentado ao lado do pai
A mão esticada buscando
Debaixo das cobertas a outra
Coberta de calos e lembranças
Sentados, lá atrás no passado
Criança sobre o colo de quem
Da vida queria lhe mostrar os
Caminhos,
(Não os mais fáceis
Somente os que o fariam homem)
Teve o tempo em que
Caminharam lado a lado
Não de mãos dadas, mas
Num abraço incapaz de ser visto
Por quem não os soubesse pai e filho
Noutro tempo, cada qual a seu lado
Inimigos, se não o soubessem pai
E o filho – mas nada dura além
Do próprio tempo que vida impõe
De novo, agora pelas circunstâncias
Sentados, de um lado uma cama
No outro o filho buscando cercar
A lágrima que insiste em correr
Tem no pai – agora deitado
Tudo aquilo que deseja ser
Para o seu próprio filho
*
“A sua bênção pai
Deus lhe abençõe meu filho”
“Cálidas mãos de fugo
O sol erradia
É quase meio dia
A labuta continua
.
De régio tempo solidão
O pobre pai
Vai
Com a enxada nas costas
Não tem água fria
Não passo na padaria
Mais vai de maduro
Seia a semeadura
Cada ponto de chegada
No meio da estrada
Com embornal nas costa
Arretia o caminho sozinho
.
Essa é foi sua luta,
Criou seu filho
Hoje é um doutor
E não esqueceu, do seu maior exemplo, na busca do seu sustendo, seu Pai..”
*
Próxima reunião geral da família
Quando o Amaranto matou meu pai
dores de mil quilos caíram sobre meu peito
A realidade de nunca mais vê-lo
multiplicou o peso
Toneladas de desconsolo tornadas loucuras
40 anos após a dor é a mesma
Mas o peso tornou-se sabedoria
pela compreensão de vidas e reencarnações
Hoje sereno eu diria
Até daqui a pouco amado pai!
Todos reunidos outra vez em torno à mesa
Aí então sem precisar distribuir migalhas
A fome foi maior que o alimento
depois de tua trágica partida
Todos reunidos outra vez em outra vida
Agora convidamos a ti, Amaranto
a sentares conosco à mesa do perdão
*
Visível Ausência
O tempo se fecha
o baú da sala
as caixas se fecham
álbuns do tempo
Universo da família
em retirada
do desfile
Uma parada de anjos
O toque do nada
de energia pulsante
Na parede
os corpos ,coisas
objetos,anima da casa
São presença
etérea ,sagrada
impressas no corpo
da sala ,quartos
cozinha ,corredores,
Quintal
A sombra
da visível ausência
a vida do imaterial
no futuro que se movimenta no espaço
onde o longe
é infinitamente longe
A casa
exibe seu sentir oculto
abandonada pelo senhor
que por ali permanece em lembrança
sendo um anjo flutuante
fazendo vibrar em sua despedida
a presença absoluta de Deus
A televisão
traz notícias insignificantes
sem ligação alguma com a vida
o mundo é algo estranho
nos “ais ” desta solidão
O submundo turvo e violento
não me pertence
mas está ali
onde plantamos as raízes sacrossantas
do mistério
junto ao hálito da morte
que bafeja nossos velhos
os queridos finaturos
sés gestos rituais
trôpegos
seus sentimentos depurados
afinados em ponta de luz
seres em metamorfose
a decrepitude a tornar- se Estrela
No firmamento escuro
os astros sem identificação
nossos velhos
em mudança
as coisas ficaram
onde a vida pulsa
E as paredes falam
o que ouviram dizer
no tempo do século
em que se fecha
uma vida
Peças antigas
Efêmero significado
a lembrança ,
o esquecimento
Foi ontem
o hoje que passou
*
lembrancinha para o papai
das lembranças
que fiz na infância
com tampinhas
chaves usadas
caixa de sapato
fitas, coração
não me ensinaram
usar revólver
e pintar com pólvora
Afasta de mim esse cálice
Crioulo – Cálice
Chico Buarque responde