XI
Para Jose Couto
O amor, sonhador, quando despertou, abandonou família, trabalho, cidade.
Ergueu uma ponte no ar, atravessou oceano, se mudou pra um castelo.
Nem tomou o primeiro café da manhã já saiu correndo sentido grande sertão veredas. Atravessou lagoa, mata, mina, e distraído, ficou no meio da estrada sem gasolina.
O amor, poético, depois, embarcou numa canoa furada e assumiu compromisso para sempre.
O compromisso durou dois almoços e a poesia foi substituída por remédio pra enxaqueca.
Mas o amor, insistente, comprou uma passagem só de ida, partiu de foguete e andou de um lado para o outro no mundo da lua, esperando uma chance.
Encontrou bom terreno, e com a sua bandeira fincada sob as estrelas, se aninhou entre os astros.
E quando já era só um resto da última grande fogueira, ainda acendeu uma última vela, e adormeceu em prece.
Amanhã, será notícia viral: “Amor sobrevive mais uma vez, e diz que continuará se arriscando.”
*
XII
Ah o milagre das estrelas
Que não se tocam
Que só explodem em luzes
Quando na noite escura e deserta
No mapa da mão do poeta
Os corpos guerream na cama
Ardendo raios de chama
E o Divino Sol
Leão dos verões
Na corte do Rei Lear
Que conhece como ninguém o calor
Que aquece os corações do bem
Conjugando com fogo
Todos os verbos do AMAR
Sim o que move o mundo
Não há nada que possa apagar
Nenhuma cólera, nenhum assombro
Quem carrega a luminosidade do AMOR
Leva a dor e a maldade do mundo
Numa sacola leve nos ombros.
*
XIII
DIOSA DE LAS FLORES
La palabra que arde en mi boca
es la palabra exacta de tu ser,
es la magnitud que te nombra
como resplandor y alimento
de un amor que no termina,
una palabra con olor a besos luminosos,
resplandecientes como estrellas
o el brillo del corazón de la luna,
chispa de un llamarón que no se apaga,
como la eternidad del vaivén de las olas
y el calor de los abrazos
bajo el azul primavera de tus ojos,
diosa de las flores que hablan y cantan
para bendecir nuestras vidas y miradas.
*
XIV
tinha uma estrela em meu peito pra brilho espantar escuro do amor calado, há muito entalado em palavras não ditas ensurdecedor estar. céu desprezava medo fechado vazio me travo caminho fuga carregada mágoa negado doar. escolha em sofrer sozinho cansaço doído marcou destino prendo falso brilho no fazer doar. assim me prefiro, amor castiguei no exílio, proibida volta no mundo que agora espero na morte solidão cessar…
tinha uma estrela em meu peito pra brilho espantar escuro sol que mudo amor cala palavras não ditas ensurdecedor estar. céu desprezava medo fechado vazio me travo caminho fuga carregada mágoa negado doar. escolha em sofrer sozinho cansaço doído marcou destino prendo falso brilho no fazer doar. assim me prefiro, amor castiguei no exílio, proibida volta no mundo que agora espero na morte solidão cessar…
*
XV
há o amor
cobre os fios brancos
consulta as horas
relembra o discurso
sobe no salto
endireita a coluna
e sai a enfrentar
o mundo dos homens
volta às 18
retoca o batom
para um minuto
quase chora
força o sorriso
retoma a certeza:
a vida é um dia
depois de outro dia
mas há o amor
pontas de estrelas
nem sempre sol
um dia promessa
nem sempre passione
um dia aconchego
no outro o futuro
mas há o amor
– ela acredita!
*
XVI
AMOR EM MOVIMENTO
Cheirando gostos de lírio e amor perpétuo
O andar falseando tão leve, alto, buliçoso
As curvas, na esquina, a me tornar tolo e repleto
O jeito de ser, no parecer, delicioso…
Amei…
Tudo nela a mostrar-se sem intenção
Nos olhos, doçura cheia de dizeres
Silêncios transbordando sim.
Quereres? “não!”
Na vaga luz que prenunciava doces prazeres
Amei.
Senti, frágil e angustiado, o seu choro
Lavei, maltrapilho e alquebrado, as suas marcas
E com espartilho segurei o seu decoro
No corpo um querer, na alma dádivas parcas
Amei!
Líquido que se expande em grutas abertas
Sopro nos ouvidos.
Calor que aos poucos envolve
Escuma que empluma nas horas mais incertas
Lembrança, soluço, entrega que a tudo remove
Amei:
…E sem explicação, sonhei.
*
XVII
Amor meu
Amor meu, como são belas as horas.
Em que me guardas em teus abraços.
Belos os risos e até a dor que choras,
Presentes teus, também o teu cansaço.
Amor meu, tu que és sempre tão livre,
Nada teu é meu, que não instantes.
Guardo fiel a beleza do que é e vive,
Que seja assim, agora, como antes.
Feliz e plena, serei tua à luz da lua,
Ao som da bela música ou do silêncio,
Vibrando ao toque teu, minha pele nua.
E de todo o gozo e brilho deste amor,
As estrelas terão, de mim, inveja.
E de meu perfume de amar, toda flor.
*
XVIII
Em honra do amor
A única fala
pausa da contradição
Penas e desejos
fogueira de fé
copo lascivo
Corpo não suficiente
para a sede e fome
A alma não diz
da ruptura dos sonhos
Outro
Outro
Vestido, bolsa, marido
outro amor
outro par de sapatos novos
Poros inundados de origem
sabor do vácuo
as bocas de lábios nus
no diapasão do espírito
trilha escura
insondável
Inexprimível
ventre
Um gole de vinho português
sabor de terra onde se escreve o destino
sofrer sem lamúrias
na morte lograr o fim
Absorver com suavidade
palmas quentes
braços
de preguiça
deliciosa sutura
Em pele viva
rara travessia longa
o sal
As uvas
em Kama Sutra
línguas
Corpo que desliza no profundo
Onde se cose o gemer
sem dor
Amor
O mar com sol
Brilha !
*
XIX
Homo sapiens
O que eu queria mesmo
É que as pessoas
Fossem mais burras
Burras como a generosidade
Que dá sem esperar
Nada em troca
Burras como o amor
Que não calcula o risco
E se joga
Burras como a esperança
Que sabe que vai perder
E nem se toca
Burras como a felicidade
Que leva safanão porretada eletrochoque
E ainda volta
Burras como a arte
Que celebra a vida,
Mesmo torta
*
XX
O Argonauta
Porque a manhã
nítida e inexata
vazou seus vapores
de cheiros do acaso
em tua púbis
Porque essa tarde
infinitamente flutuante
de transbordamentos essenciais
captou a leveza fugaz
dos personagens de Chagall
em teus olhos
Porque no fim dessa noite
o dilúvio de silêncios
impregnou tua pele de uma sede
imperceptível e desproporcional
Porque desejei com o peito em palpitações
e a sensação de mar em repuxo
tragando-me
Soprar em teu sexo um rugido
urro silvo ou berro: salva-me
antes de submergir.
*
O Argonauta – poema de José Couto na interpretação da poeta Lourença Lou