Eu me lembro
O vulto do pai está na árvore
Um pouco como no filme de Fellini
Só que mudo
Você não concorda,
Mas pra mim Amarcord é a amargura do pai
Tantos anos ganhando as canecas em agosto
O nome trocado
Amarcord é um coração enorme
O pai suspenso no céu ao entardecer
O pássaro que ele não foi
As duras penas da vida
Pisadas no sorriso de lado
da mãe, no salário de merda
O que quer o nosso pai é voar
Sem tempo ou necessidade
Pelo amor ao céu, à donna
Bela como a luz do sol
E com o vício da vida
Amarcord não é corda
Fechando a gaiola, nem asa quebrada
Amarcord é quase amar o coração
É dar o perdão pro pai
E crescer
*
Ressonância
Flagrância:
A essência da infância
Na total ignorância
Dos dissabores da vida
Pregnância
Distância:
Agora ânsia
De dias melhores
Pura militância
Da pessoa anciã
*
Filamento de pai
É certa a presença
do astro rei
mesmo se esparramada
sua sombra
é certo que ainda giro
na órbita do seu amor.
*
MEU PAI, DÁ-ME OS TEUS VELHOS SAPATOS MANCHADOS DE TERRA…
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra
Dá-me o teu antigo paletó sujo de ventos e de chuvas
Dá-me o imemorial chapéu com que cobrias a tua paciência
E os misteriosos papéis em que teus versos inscreveste.
Meu pai, dá-me a tua pequena chave das grandes portas
Dá-me a tua lamparina de rolha, estranha bailarina das insônias
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.
Vinicius de Moraes
*
Abença pai
Pai, em vão busco o sopro que acende a vela de tua ausência
Restaram apenas os restos de pôr de sol e de lua dormitando em tuas pálpebras
Abença, meu pai
Hoje um rasgo de saudade
Veio abrir esse dia amarelado.
*
A terceira mão
era um menino
quando vi um homem
desferir dezessete facadas
sobre o abdômen do meu pai.
minha mãe, seminua, corria
pela Avenida Benjamin Constant
para socorrê-lo.
quadros de Chaplin,
um papai noel de brinquedo,
vaidades despedidas
na subpele do fogo.
UTI, balão de oxigênio…
meu pai recebeu nova vida.
alguns anos se passam
e dezessete facadas
rasgam outra vez
a pele do meu pai
na forma de uma hérnia.
quando uma lágrima quase
me escorrega o rosto,
numa cama de hospital público,
sobre as mãos unidas de pai e filho,
uma terceira mão se apresenta:
sinto o perfume da barba feita de meu pai
nos pelos e linhas da mão de Deus.
Carvalho Juniorr, do livro inédito “No alto da ladeira de pedra”
*
pouco…
qual tempo rodinhas faziam seguras infância pedaladas
alegria cordas teu violão cantavam
dança teus braços passos mostraram como seguir
pouco…
deste na vida o que dela sem querer te deu
raros pedaços de tempo pai fostes meu
ausente presença aprendi crescer
pouco…
vazio te fiz perdoado
longe te fiz amado
vida tua filha tanto perdeu
pouco…
tão pouco seu lado ombro acolheu
o muito doída ferida
do tão pouco seu
que pai fostes meu
pouco…
*
Para meu pai (in memoriam)
*
Todos os dias rego
Flores
Azuis
Das janelas
Fechadas
Do
Quarto
O sal no concreto é liquidez que respira
*
__ O DIA DO PAI ___
O sofá, o jornal,
O olhar, os óculos,
A tardinha oceânica
Grudenta de cansaços
E cigarros de escritório:
– Angustia submersa
De poema estrangulado,
Calado nas guelras do peito. –
Abria-lhe a cerveja,
A marca de sempre,
O chiar da espuma
E o gesto de cabeça
Para o gole primeiro:
– Angustia submersa
De poema estrangulado,
Calado nas guelras do peito. –
A soberana gota no bigode,
Símbolo de uma sabedoria
Que varava os cadernos,
Esmiuçava as metáforas,
Questionava as vírgulas,
Esculpia silêncios no ar
E os batizava de Respeito:
– Leia!
– E aquela agonia
De boca de peixe
Escorria peito afora
Inundando o mundo:
– Razoável! – Dizia ele
– Bastava,
O menino virava poeta
No coração da noite!-