“Política, futebol e religião não se discutem.” Ouvimos desde sempre essa frase como uma regra do bom senso e da boa convivência. Sou obrigada a concordar quanto à parte do futebol (normalmente um interesse motivado de modo emocional pela família) e da religião (não existe racionalidade na fé, por que então haveria discussão? o que não quer dizer, nem de longe, que não se deva discutir a influência da religião sobre as decisões que afetam a coletividade… mas isso já seria assunto para outra coluna). Já quanto à política, concordo que seja uma realidade (lamentável), mas não que deveria ser uma regra. Se a política não se baseia em discussão, em que se basearia? Os últimos tempos parecem soprar uma resposta: em ódio.

Não faço segredo de que tenho votado no PT desde que me conheço por eleitora. Reconheço as falhas da gestão atual (me refiro aqui ao governo federal, não ao municipal, que não tenho acompanhado), mas, no meu ponto de vista, os méritos ainda se sobressaem. Embora o assunto me interesse, não creio que este seja o espaço para elencar erros e acertos do governo federal. O que me espanta, e é isso que eu gostaria de trazer para o debate, é a naturalidade com que a comparação entre erros e acertos vira uma crítica superficial destilada para quem quer que seja. A regra da cordialidade de não discutir aqueles temas se modificou: não discutimos, mas isso não impede ninguém de esbravejar. Falar mal do PT e do governo federal parece ter virado o novo “será que chove?”: é na fila do banco, no táxi, no elevador.

A impressão que tenho é de que existe um ódio (em boa parte alimentado pela mídia) a que é preciso dar vazão o tempo todo. Não, ninguém quer debater política, quer antes esbravejar “Fora PT!” (e quem fica dentro?), “Lula Ladrão!” (roubou exatamente o quê?), “Dilma sabia!” (do quê?), Moro estamos com você!” (porque atropelar a Constituição de repente se tornou bonito), “Contra tudo isso que tá aí!” (e a favor do quê, concretamente, em termos práticos?). Como já defendi em outro momento, não acredito em imparcialidade. Isso não nos isenta, no entanto, de analisar as diversas nuances de uma questão antes de tomar partido. O momento atual poderia ser extremamente positivo para nos interessarmos por política e tomarmos parte em debates produtivos. Política se discute, sim! Mas antes da discussão, é preciso haver análise, ponderação, senso crítico.

O que me assusta é que, embora a grande maioria de nós esteja, de uma forma ou de outra, falando em política, não vejo análise.

Vejo ódio, sentimento de vingança, indignação seletiva, uma constante confusão entre alhos e bugalhos.

E é nesse clima de muito bate-boca e pouca discussão que assistiremos no domingo à votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff: um processo com pouca fundamentação jurídica sendo comentado com a mesma empolgação passional de final de Copa do Mundo. Há quem veja nisso a salvação para o país – embora sem especificar exatamente como. Seria o fim da corrupção – depor a presidenta que mais se empenhou em seu combate e que até agora não foi citada nas investigações. De minha parte, o que vejo é uma espécie de golpe em marcha. E aí, sim, a regra de não discutir política voltará com força: ou porque será proibido, ou porque será simplesmente inútil e tarde demais.