Estamos errando e errando muito no nosso modo de discordar das pessoas. Lembro de como fiquei chocada quando soube da existência de adesivos de carro que usavam a imagem da presidenta Dilma Rousseff numa montagem, de modo que a bomba de gasolina entrasse entre suas pernas abertas. Me pergunto se entre todos os políticos homens dos quais discordamos algum deles teve sua imagem exposta e ridicularizada desse jeito. Até onde sei, não. É um indício de que as ofensas de toda espécie dirigidas à presidenta não são meramente discordância política. Muitas delas são puramente manifestações de misoginia.

O assunto voltou às rodas de conversa na última semana, quando uma revista de ampla circulação nacional divulgou em sua capa uma foto da presidenta transfigurada supostamente devido a explosões de raiva e descontrole frente ao cenário político atual. A militância on-line logo se dispôs a comparar capas de diferentes revistas que versavam sobre diferentes figuras públicas, e o resultado, embora chocante, não é exatamente surpreendente: quando a (suposta) raiva parte de mulheres, é sinal de descontrole, de desequilíbrio, de incompetência; quando parte de homens, é uma ferramenta de combate que pode ser produtiva quando bem direcionada.

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As capas da Istoé, sobre Dilma, e da Época, sobre Dunga | Imagens: Reprodução

Se a situação atual diz respeito à presidenta, ela com certeza não é a única a ser atingida por essa diferença gritante no julgamento das atitudes femininas.

Creio que toda mulher, seja em relações profissionais, seja em relações pessoais, já teve sua opinião deslegitimada sob o argumento “que nervosinha! tá de TPM?”.

E este é dos argumentos mais suaves: também temos que conviver com aquele que atribui qualquer variação de humor a uma vida sexual de baixa frequência ou qualidade – para usar um eufemismo. Nós, mulheres, concordando ou não com as políticas da presidenta, não estamos tão distantes dela: uma vez em situação de poder, destaque ou sucesso, nosso gênero sempre será determinante do tipo de crítica que receberemos.

É por isso que julgo fundamental criticarmos nossa própria crítica: quando discordamos da presidenta, estamos criticando uma atuação política ou apenas alimentando a misoginia? Criticar a atuação política de quem quer que seja que esteja nos representando é tanto nosso direito quanto nosso dever. Ao deixarmos que essa crítica resvale para ódio de gênero (ou classe, ou raça…), desviamos o foco daquilo que realmente importa e permitimos que o debate perca qualidade e legitimidade. Se há tanto para criticar sobre a situação política atual, por que nos permitimos críticas rasteiras, pessoais e com base mais em ódio do que em argumentos? Por que preferimos atacar uma pessoa a atacar suas práticas políticas? E por que esses ataques são tão mais contundentes quando se dirigem a mulheres? São perguntas para as quais não tenho respostas. Melhor do que respondê-las, penso, seria amadurecer nossos debates políticos a ponto de esse tipo de questionamento em breve não ser mais necessário.