A cada manhã ela acorda apreensiva. Ouve atentamente os barulhos da rua e fica aliviada ao perceber que é apenas o vento batendo nas folhas de bananeira. A previsão, no entanto, é de chuva. Ela, então, pensa no marido, que é operador de patrola, e no tempo em que só recebia pelos dias trabalhados. Lembra da filha que mora na casa ao lado e dos três netos, já não tão pequenos, e se preocupa com a outra filha, grávida de oito meses, também moradora do mesmo pátio. Por fim, lhe vem o filho, que agora vive com a sogra e não pode mais os acolher caso aconteça o pior.
• Imagem em 360°C mostra que várzea do Rio Gravataí já está alagadiça
Essa é a rotina de Sirlei Teresinha, moradora da área verde no final da rua Marquês do Pombal, às margens da várzea do Gravataí, cujas águas se avizinham de seu terreno. A cerca já está inclinada pela falta de consistência do terreno encharcado. Pelo caminho foram colocadas tábuas que facilitam a passagem e garantem o pé seco, mesmo em dia de sol.
• Alerta para chuvas acima da média
Ela e o marido, Silvio Luis Dornelles, moram ali há 14 anos e a cada inverno enfrentam o medo das cheias, que sempre chegam. No terreno mora ainda uma filha e três netos de 14, 11 e oito anos, e outra que está prestes a dar à luz.
Assim como em anos anteriores, ela afirma que na enchente do ano passado muitas pessoas apareceram oferecendo ajuda, “mas quando as águas baixaram sumiram, como se o problema estivesse resolvido”, lamenta.
Um grupo de moradores, munidos de varas, tarrafas e macacão de pesca, passa em frente à casa de Sirlei dizendo que adiante ainda há bons peixes. Ela ri, meio sem graça, e comenta que, em breve, eles podem pescar de sua varanda.
Mas há esperança naquela casa humilde. Com orgulho, Sirlei conta que comprou a madeira nova para o piso da casa, destruído no ano anterior, e que espera que a natureza respeite a sua recente despesa.
Outro morador da última quadra da rua Marques do Pombal vive situação semelhante. Ele só não tem a água batendo a sua porta, por enquanto. Emerson Oliveira Freitas, que vive com a família há cerca de 200 metros da área verde, teve seu mercadinho inundado nos últimos três anos e agora está fazendo uma reforma.
• Projeto para conter cheias avança lentamente
Quanto a ações da Prefeitura ou autoridades, diz que não fizeram nada, nem mesmo limparam os bueiros. “A prova é que está nascendo uma árvore naquele bueiro ali da esquina”, aponta ele, que divide momentos de diversão e indignação.
Das reuniões realizadas após a última cheia, ainda em 2014, ele possui uma a ata assinada pelo prefeito Professor Serginho em que garantia ações na região. “Mas nada aconteceu”.
Moradores da região há mais de 40 anos, os vizinhos Pedro Farias e Carlos Abílio, dizem que não houve isenção de IPTU, conforme foi noticiado e que o jeito é permanecer atento para sair a tempo e tentar ajudar os vizinhos mais necessitados.
E é justamente com esse sentimento, a solidariedade dos vizinhos, que Sirlei conta caso aconteça o pior. “Este ano não temos para onde ir, e ficar no abrigo com as crianças e ainda um bebê é muito difícil de imaginar.”
Fonte: Mariú Delanhese / O Alvoradense