Com o poema do Diamante Raro Lourença Lou, o blog de poesia do jornal O Alvoradense, inicia sua nova série.
Série dedicada ao nosso querido escritor Paulo Bentancur, nasceu em Santana do Livramento, RS, em 20 de agosto de 1957.
Escritor, poeta e crítico, praticou diversos gêneros, do infanto-juvenil à poesia. Faleceu em 28/08/2016, in memorian.

O escritor Paulo Bentancur, prestigiando o lançamento “A Formiguinha” de Artur Madruga
O escritor Paulo Bentancur, prestigiando o lançamento “A Formiguinha” de Artur Madruga

Sobrevivente

escrevia
para me conhecer
:era passageira de mim

hoje
sou passagem

escrevo
para dar vida
ao silêncio

lourença Lou

*

Mensagem na bolha

Escrever
é tempo em que pratico
a difícil arte de respirar
sem umidade

tempo breve
depois do grande esforço
que é o pulo para fora
do aquário.

Joelma Bittencourt

*

Inspiração

escrevo enquanto
minha véia poética
permitir

letras disputam
com o oxigênio
em meu sangue

palavras chovem
na minha aorta

quando escrevo
piro
se não escrevo
piro
e não respiro

Chris Herrmann Kuhn

*

Escrevo para não sumir no frenesi da tarde
Com suas formigas e folhas apressando o fim.
Escrevo para fugir de mim
De ti
Das estrelas, que insistem em me apequenar
Escrevo porque não sei falar
A língua dos homens.
Porque não aprendi gritar teu nome santo.
Escrevo por puro espanto e alguma nostalgia.
Escrevo, escrevo, escrevo
Porque é noite em mim
E os vagalumes que me cercam necessitam gozar sua luz no desespero da palavra VIDA.

Lázara Papandrea

*

Enigma

No limbo das ideas
flutua a saída do futuro
voltado ao passado

acervo de papeizinhos
guardanapos
buscando a síntese da forma
no livro quadrado
para abrigar o presente
num de repente mágico
em que palavras se ordenam
na ordenha volumosa
do papel diário
branca fonte de alimento
a tela suporte de toques
vivos em letras
apoio de aquarelas

imagens
de presença pressentida
rastros da realidade
doida sem intento
mexendo por capricho na alma do escritor
louco ele, o escritor
sem saber de onde vem essa luxúria
dita em jorro de escrita
esse gozo de não se pertencer
enquanto passa por cafés
praças

longos trajetos de ônibus
escrivaninhas sem dono
sofás com histórias
enredos de salão
que se mexem em seus dedos tortos
insaciáveis na sanha
de caçar palavras
com rede de borboletas
em tarde de arco íris
perdura o ritmo
a estética

o vazio das perguntas sem respostas
o voo à toa das borboletas
as possíveis cores do arco íris- que não se toca
se vê…
nascer, sumir
o vazio sem pistas
do que existe além de mim

Cristina Siqueira

*

ESCREVO

Escrevo romances esquecidos
poemas dispersos, contos ocultos
Escrevo memórias tristes
artigos aos pulos, biografias
da indústria, currículos infames

Escrevo ideias vadias
canções recolhidas no lixo
ensaios absurdos, textos
sem assinatura, literaturas
perdidas, lendas avulsas

Escrevo por puro artifício
vocação fora do assunto
compulsão doentia, servidão
de herança, situação aflita
repertório tardio, luzes pífias

Escrevo como Deus manda
quando está distraído e decide
permitir que o vício assuma
as dores da virtude. Escrevo
como quem persegue a epifania

Nei Duclós

*

A GRAVIDEZ DO POETA

O poeta não concorre
ao reino deste mundo.

E a unanimidade se
loucupleta com a coroa.

A musculação é dos miolos.
Body jump da academia
de ideias.

O poeta é a codificação das
furtivas metáforas do mesmo rosto.
A ostra calcificando em
pérolas as suas inflamações.

Na toca dos dragões
estilhaça as rochas
com seus grãos de
resignações milenares
tal o ódio usucapindo
infinitas vidas da carne.

Não existem contraceptivos
para a sua avidez.

E o poeta
não aborta
nem concebe.

Rompe várias bolsas
diuturnamente
e morre sem parir o feto
da vida inteira.

Consuelo Pereira Rezende Do Nascimento

*
Por que escrevo

Serei uma fada
Com mãos de fada
Olhar de fada
Paciência de fada

Porque a verruga
A vassoura, a raiva
Descontei da bruxa
Na página.

Adriane Garcia

*

A dança mística das sementes vermelhas no meio-fio da vida

para tomar no cuspe da índia o segredo dos assobios dos pássaros das cercas de enganos da infância. para me juntar ao abandono dos umbigos dos riachos mortos. para correr nu pelos paralelepípedos da rua Santa Cruz em finais de semana de solidão chuvosa.

para ouvir tua bolsa pele de serpente bárbara declamando Shakespeare e destelhando a abóbada celeste na explosão de orgasmos. para me esticar na grama que acolhe os alfabetos sentimentais das minhas origens.

para rasgar nas unhas do arame os calos de sangue dos pés dos meus fantasmas. para me desconhecer e me matar quanto possa da companhia dos punhetas incrédulos sem fome de travessia.

escrevo para ver meus abismos se equilibrando na dança mística das sementes vermelhas no meio-fio da vida na volta para o ninho invisível.

Carvalho Junior

*

Trago:

um hematoma secreto do lado esquerdo do peito
o desejo de montar o vento em pêlo
o suspiro sutil perfil de moça blue
o beco escuro da vida no mínimo osso
o abraço da palavra cerco dos mortos
o olho míope pro voo da borboleta amarela
todo anelo perdido de novo e de novo

eis porque escrevo

Fabíola Mazzini Leone

*

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