O jornal O Alvoradense teve acesso à íntegra do Relatório de Auditoria de Regularidade das contas da Prefeitura de Alvorada do exercício de 2014, realizado por cinco auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCR-RS) em abril de 2015.
O processo tem 112 páginas é o mesmo utilizado pelo governo para basear a decisão do prefeito Professor Serginho de suspender o pagamento da trimestralidade dos servidores municipais. O relatório completo, contudo, apresenta outras 17 supostas inconformidades encontradas na gestão durante os doze meses de 2014.
O parecer ainda não foi julgado, mas já recebeu a defesa do governo, executada pelo escritório de advocacia Dellagnol Advogados Associados em outubro do ano passado. Desde o dia 11 de fevereiro o relatório aguarda julgamento na Procuradoria Geral do Ministério Público de Contas.
As inconformidades apresentadas no relatório citam, por exemplo, falhas no trabalho e composição da Unidade de Controle Interno (UCI), responsável por acompanhar e controlar a gestão do governo para minimizar a ocorrência de desvios.
Nove dos 14 itens que deveriam ser analisados pela UCI referentes ao trabalho do governo não foram executados até o fim do período analisado pela auditoria. A maioria das tarefas pendentes dizem respeito ao controle de despesas, como a execução da folha de pagamento e a análise da legalidade e eficiência da gestão orçamentária. Ao todo, apenas 35% dos itens foram analisados.
CCs e falhas nos controles de pessoal
Os cargos de confiança também entraram na mira do TCE-RS. Segundo o relatório, os cargos de coordenador, chefe de setor e chefe de unidade não podem ser preenchidos por cargos de confiança por possuírem atribuições operacionais no governo e não de direção ou assessoramento superior. Ao todo, esses casos somam 189 vagas.
O mesmo ocorre com outros 87 cargos de confiança lotados como assessor especial I, assessor de gabinete e oficial de gabinete. Nesses casos, contudo, a auditoria apontou que as atribuições são “predominantemente burocráticas e operacionais ou já estão previstas em atribuições de cargos de provimento efetivo”.
A auditoria cita artigos da Constituição Federal que determinam o comissionamento puro somente para cargos de direção, chefia ou assessoramento superior de pessoas que detenham confiança qualificada para ocuparem órgãos diretivos responsáveis pela “transmissão das diretrizes políticas” concebidas pelo gestor.
Também foram identificadas falhas no registro do ponto dos servidores, assim como no controle da comprovação da prestação de serviços de médicos terceirizados. Em alguns casos identificados pelos auditores, especialistas eram contratados para trabalhar 40 horas semanais, mas na prática atuavam apenas 16 horas por semana nos postos. No caso específico de um médico de saúde coletiva, por exemplo, a contrato previa 20 horas semanais, mas o profissional atendia por 2 horas nas terças e quintas-feiras, totalizando apenas 4 horas semanais.
A mesma fragilidade no controle dos serviços prestados teria ocorrido, segundo o relatório, na área de limpeza urbana. Os profissionais que prestavam serviços de manutenção nas escolas municipais comprovavam o trabalho mediante declaração do serviço feito, desprezando o tempo pelo qual discorreu o trabalho. Para os auditores, o contrato estipula a carga horária mínima para cálculo dos valores devidos, o que se mostrou ineficiente. Eles alertam que em caso de “omissão na adoção de medidas saneadores (…) poderá ocasionar apontamento com sugestão de débito em futuras auditorias”, o que significaria ressarcimento aos cofres públicos.
Valores a serem devolvidos
O pedido de pagamento, aliás, é citado no processo em três momentos. O primeiro deles pede a devolução de R$ 5.802,32 referentes aos pagamentos supostamente irregulares de benefícios acumulados por uma servidora da área da Educação.
O segundo caso refere-se ao salário do vice-prefeito, que para os auditores deveria ser suspenso, já que Arlindo Slayfer não possui atribuição específica no governo, e a quantia de R$ 154.166,65, recebidas pelo vice durante todo o ano de 2014, ressarcida aos cofres do município.
Os auditores chegaram a parafrasear o conselheiro do TCE-RS Cesar Santolim que, em sessão ocorrida em setembro de 2008 sobre um caso semelhante, afirmou que “não haveria possibilidade sequer de se cogitar de remuneração aos senhores vice-prefeitos se eles não estivessem no exercício de funções administrativas”.
O terceiro pedido de ressarcimento é de R$ 28.687,39 referentes ao sobrepreço na construção da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 horas. O processo indica que a empresa contratada foi beneficiada por uma desoneração fiscal implementada pelo Governo Federal no mês anterior a assinatura do contrato com a Prefeitura, valor este que acabou não sendo abatido do valor final da obra.
A UPA também recebeu outros apontamentos referentes a substituições de produtos que não constavam no contrato original, alguns deles com valor maior do que inicialmente orçado, outros de preço inferior.
Os demais apontamentos citam, ainda, depósitos supostamente irregulares do Funsema em bancos privados, que no entendimento do TCE-RS só podem ser feitos em instituições públicas, ausência de cargo específico de fiscal tributário, irregularidades na intermediação de mão de obra em contrato firmado com uma empresa terceirizada na área da Saúde e gastos com funcionários terceirizados não computados como despesa com pessoal.
Defesa rebateu apontamentos
Os advogados contratados pela Prefeitura apresentaram seus argumentos em 25 páginas para rebater todos os apontamentos dos auditores.
O governo, inclusive, apresentou defesa para a manutenção da trimestralidade dos servidores, benefício que acabou cortado pelo Prefeito em decreto assinado na semana passada. Entre os argumentos apresentados está o de que o governo apenas cumpre a lei municipal de 2003 “em plena legalidade visto o transcurso temporal sem qualquer questionamento”.
O apontamento de que a administração municipal teria extrapolado o limite máximo de gastos com pessoal foi recebido com surpresa. Para o governo, “em nenhum momento foi percebido pelos setores responsáveis que o município sequer tinha atingido o limite prudencial, quanto mais que tivesse extrapolado o percentual máximo”.
A defesa argumentou que houve equívoco nas informações repassadas ao Tribunal de Contas referentes às despesas com pessoal e que a falha consiste na metodologia de cálculo, que incluiu vale transporte, vale refeição, licenças prêmio, abonos e indenizações como salários.
No processo, a Prefeitura diz que, por esses motivos, o valor das despesas com pessoal dos quadrimestres de 2014 e 2015 “sofreu grave distorção, levando os auditores a compreenderem a presente situação financeira do município em uma gravidade não adequada à realidade”.
A defesa está assinada em 28 de outubro de 2015. Menos de uma semana depois, no dia 3 de novembro, a Prefeitura anunciou as primeiras medidas de contenção de gastos com o adiamento do pagamento do salário dos cargos de confiança para o dia 10 de cada mês. Na ocasião o então secretário da Fazenda, Antonio Begnini, confirmou que os credores passariam a receber “dentro das possibilidades do fluxo de caixa”. Em dezembro foi anunciado o início do programa de contenção de gastos Proagir e naquele mesmo mês faltou dinheiro para pagar os servidores em dia.
O governo se propôs a implementar o sistema de ponto eletrônico para melhorar o controle dos serviços prestados, além de já ter encaminhado, conforme consta no processo, medidas para recuperar eventuais prejuízos com o contrato com a empresa de limpeza urbana.
Sobre os problemas na UPA, a Prefeitura disse que como o contrato foi montado antes das novas regras do Governo Federal, os valores não deveriam ser reajustados. Também reconheceu que como o projeto fora doado pela prefeitura de Novo Hamburgo, foi preciso realizar ajustes durante a execução dos serviços, mas garantiu que as alterações foram incluídas no contrato no final dos serviços para evitar maior atraso na entrega.
É possível ler a íntegra dos apontamentos dos auditores do TCE-RS, bem como a defesa do governo, também em sua totalidade, clicando aqui.
O Tribunal de Contas do Estado afirmou, por meio de sua assessoria, que não vai se manifestar enquanto o processo não for julgado.
Fonte: Jonathas Costa / O Alvoradense