I
Púlpito
Eu penso no resfôlego das putas trepando
quando vejo velhas senhoras gordas
arrastarem-se em sandálias
com suas sacolas de feira.
Eu penso no suor dos agiotas
quando vejo alguém desconfiado
contar e guardar o dinheiro
sacado num caixa eletrônico.
Um olhar de viés em pura perda de tempo.
Eu penso no choro zangado da criança
impedida de exercer a liberdade
quando vejo um paraplégico ou cego
aventurando-se pelas ruas despreparadas
ignorando a ajuda de pessoas solicitas.
Eu penso nas notas de dinheiro
nas paredes de prédios riscadas
nas peles tatuadas
com extrema falta de bom senso
quando escrevo o que meu vazio dita
nessas horas onde o passeio é público.
Um olhar de viés em pura perda de tempo.
II
Merda
Merda para o burocrata batendo punheta na gravata
Merda para o poeta batendo punheta na caneta
Merda para o presidente dos Estados Unidos ejaculando bombas
Merda para o Severino e para a Maria de olhos pregados no chão
Merda para a esperança resignada, o amor sem língua, a raiva sem dentes
Merda para os vícios inofensivos, os bilboquês
Merda para os lanches rápidos e as trepadas de cinco minutos
Merda para a publicidade vendendo JK como cobertura
Merda para os políticos que tratam a coisa pública como privada
Merda para os eleitores que não dão a descarga
Merda para os cristos subindo à cruz como cegos
Merda para a igreja a bater os pregos
Merda para os que têm carro do ano e ideias do século passado
Merda para a musculação e homens e mulheres feito sapos
Merda para o futebol e o carnaval pela televisão
Merda para os que deixam aos outros fazer seus gols, dançar seu samba
Merda para toda vida engolida a contragosto
Merda para quem não ousa nessa merda o amor
III
NU SEM NADA ?
Hoje me veio um poema iluminado ou atropelado
cheio de sangue
dos meninos caídos no chão
Com o suor das palavras
bebi todo o sal
até o apito final
dos campos de pelada
A loucura flor da dor
tão pura e madura
de todo bem querer
me fez tecer desvarios e rios
e me deu uma sede danada
de sonhar numa rede
de beber um poço d’água
Hoje o pão da manhã
me escreveu raios di-versos
na madrugada
uma flor de hortelã
nasceu cheirosa
talvez poesia em prosa
os pés moleques
a bola negra em forma de rosa
o tudo que vem do corpo
é samba-reggae
escrito na página do nada.
IV
Gênese
Não sei se no Princípio era o Verbo
Sei que a palavra inaugura o mundo
Não sei se houve serpente
Mas a tentação já me pulsou para o absurdo
Tampouco a expulsão do Paraíso confirmo
Mas uma saudade enorme
De algum lugar bom
Onde eu jamais estive
E esse suor
E as dores
E esse pão negado
E não repartido
Um dia deitei sob árvores e decifrei nuvens
E vi que era bom
Noutro, houve uma mulher com uma ferida aberta
Que só recebia a atenção dos mosquitos
Não sei de outro céu
Nem de outro inferno
Que não aqui.
V
LA MEMORIA DEL SILENCIO
Entre flores y mariposas,
un anciano en el jardín
dijo que el beso de un ángel
permite ver el misterio de la luz
de jazmines y estrellas
y que la melodía de sus ojos
inspira la voz y las canciones
de los mares y los vientos,
y despierta en los amores
el fuego de la sinfonía
que late como un corazón
en la memoria del silencio.
VI
só amor
sabia a hora que
você mais amava
apertar os olhos
e tocar meu sexo
e quando pensava
em coisas indeléveis
enrugava a testa
e mastigava biscoitos
eu achava isso
íntimo demais
pra ser chamado
de amor
VII
Entre dedos
medos quadrados
calados fados
quenturas nos olhos
Entre dedos
sombras disformes
fomes de luz
fugidios pronomes
Entre dedos
a voz desespera
se a era do sol demora
se agora o mar for morto
Entre dedos
o reconforto
sê flores em mim
primaveras marinhas
Sei das palavras gastas
entre linhas mal traçadas
Mas…
Se entre dedos
uma vez mais
guardar a minha mão
Ofereço-te meu labirinto
o instinto das melhores cores
bastidores em que trago
em uníssono nossa foz
* Poema feito para “Breves considerações sobre arte em exposição “A Cor do Gesto” de Artur Madruga (Mestre Alquimera Grazak)