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Púlpito

Eu penso no resfôlego das putas trepando
quando vejo velhas senhoras gordas
arrastarem-se em sandálias
com suas sacolas de feira.

Eu penso no suor dos agiotas
quando vejo alguém desconfiado
contar e guardar o dinheiro
sacado num caixa eletrônico.
Um olhar de viés em pura perda de tempo.

Eu penso no choro zangado da criança
impedida de exercer a liberdade
quando vejo um paraplégico ou cego
aventurando-se pelas ruas despreparadas
ignorando a ajuda de pessoas solicitas.

Eu penso nas notas de dinheiro
nas paredes de prédios riscadas
nas peles tatuadas
com extrema falta de bom senso
quando escrevo o que meu vazio dita
nessas horas onde o passeio é público.
Um olhar de viés em pura perda de tempo.

Joelma Bittencourt

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II

Merda

Merda para o burocrata batendo punheta na gravata
Merda para o poeta batendo punheta na caneta
Merda para o presidente dos Estados Unidos ejaculando bombas
Merda para o Severino e para a Maria de olhos pregados no chão
Merda para a esperança resignada, o amor sem língua, a raiva sem dentes
Merda para os vícios inofensivos, os bilboquês
Merda para os lanches rápidos e as trepadas de cinco minutos
Merda para a publicidade vendendo JK como cobertura
Merda para os políticos que tratam a coisa pública como privada
Merda para os eleitores que não dão a descarga
Merda para os cristos subindo à cruz como cegos
Merda para a igreja a bater os pregos
Merda para os que têm carro do ano e ideias do século passado
Merda para a musculação e homens e mulheres feito sapos
Merda para o futebol e o carnaval pela televisão
Merda para os que deixam aos outros fazer seus gols, dançar seu samba
Merda para toda vida engolida a contragosto
Merda para quem não ousa nessa merda o amor

Paulo Becker

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III

NU SEM NADA ?

Hoje me veio um poema iluminado ou atropelado
cheio de sangue
dos meninos caídos no chão

Com o suor das palavras
bebi todo o sal
até o apito final
dos campos de pelada

A loucura flor da dor
tão pura e madura
de todo bem querer
me fez tecer desvarios e rios
e me deu uma sede danada
de sonhar numa rede
de beber um poço d’água

Hoje o pão da manhã
me escreveu raios di-versos
na madrugada
uma flor de hortelã
nasceu cheirosa
talvez poesia em prosa
os pés moleques
a bola negra em forma de rosa
o tudo que vem do corpo
é samba-reggae
escrito na página do nada.

Paulo George

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IV

Gênese

Não sei se no Princípio era o Verbo
Sei que a palavra inaugura o mundo

Não sei se houve serpente
Mas a tentação já me pulsou para o absurdo

Tampouco a expulsão do Paraíso confirmo
Mas uma saudade enorme
De algum lugar bom
Onde eu jamais estive

E esse suor
E as dores
E esse pão negado
E não repartido

Um dia deitei sob árvores e decifrei nuvens
E vi que era bom
Noutro, houve uma mulher com uma ferida aberta
Que só recebia a atenção dos mosquitos

Não sei de outro céu
Nem de outro inferno
Que não aqui.

Adriane Garcia

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V

LA MEMORIA DEL SILENCIO

Entre flores y mariposas,
un anciano en el jardín
dijo que el beso de un ángel
permite ver el misterio de la luz
de jazmines y estrellas
y que la melodía de sus ojos
inspira la voz y las canciones
de los mares y los vientos,
y despierta en los amores
el fuego de la sinfonía
que late como un corazón
en la memoria del silencio.

Antonio Torres

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VI

só amor

sabia a hora que
você mais amava
apertar os olhos
e tocar meu sexo
e quando pensava
em coisas indeléveis
enrugava a testa
e mastigava biscoitos
eu achava isso
íntimo demais
pra ser chamado

de amor

Luciane Lopes
*

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Arte Artur Madruga

VII

Entre dedos
medos quadrados
calados fados
quenturas nos olhos
Entre dedos
sombras disformes
fomes de luz
fugidios pronomes
Entre dedos
a voz desespera
se a era do sol demora
se agora o mar for morto
Entre dedos
o reconforto
sê flores em mim
primaveras marinhas
Sei das palavras gastas
entre linhas mal traçadas
Mas…
Se entre dedos
uma vez mais
guardar a minha mão
Ofereço-te meu labirinto
o instinto das melhores cores
bastidores em que trago
em uníssono nossa foz

Nil Kremer

* Poema feito para “Breves considerações sobre arte em exposição “A Cor do Gesto” de Artur Madruga (Mestre Alquimera Grazak)