Quando se fala em mídia e comunicação, não demora muito para que alguém comente, normalmente em tom elogioso, sobre a tal da imparcialidade. “É um veículo imparcial” funciona como elogio padrão quando não se tem nada mais pessoalizado a dizer. De minha parte, penso que as pessoas que se sentem confortáveis com essa ideia são ou ingênuas ou mal intencionadas (e é por otimismo que creio na ingenuidade).
Se o objetivo de um jornal é informar, não é de qualquer modo que as informações são registradas, editadas e divulgadas. A parcialidade se inicia já na seleção do que vai ou não ser noticiado, afinal, não se pode dar conta do todo. No momento em que uma notícia é escolhida em detrimento de outra, se toma partido. No momento em que sete parágrafos são dedicados a determinado ponto de vista e apenas três parágrafos a outro, se toma partido. No momento em que a sintaxe da frase é trabalhada para que uma informação fique no início, com mais destaque, ou para que certos elementos sejam suprimidos, se toma partido. E estes são exemplos que saltam aos olhos, mas há uma infinidade de estratégias mais sutis que podem ser utilizadas para que a informação apareça do jeito que convém a nós – ou à editoria, ou ao patrocínio…
Tomar partido não é uma atitude necessariamente criticável, até mesmo porque esta é nossa condição: não há como se relacionar com a língua se não for de modo parcial. No momento em que falamos, escrevemos ou nos valemos de qualquer forma de comunicação, assumimos um lado – e, por mais inconveniente que seja admitir, a opção por nenhum dos lados também é uma opção parcial. Não existe neutralidade, porque falamos de um certo lugar, com certas convicções, certos interesses, certas prioridades. O tempo todo somos sujeitos com nossas particularidades e não conseguimos nos desvencilhar delas para fazer o que quer que seja. Para escrever, muito menos.
Criticável, sim, é a pretensão de neutralidade e imparcialidade que permeia certos discursos. Quando defendemos nossa postura como imparcial, colocamos nossa fala num lugar de verdade que não nos pertence – não pertence a ninguém, acredito; na maioria das vezes, ao invés de verdades e mentiras, o que existem são pontos de vista. E um lugar de verdade neutro e imparcial dispõe de tanta legitimidade que é difícil contestá-lo. Um exemplo disso é a pressa com que pessoas autodeclaradas imparciais tentam legitimar seus argumentos com “não sou filiada a nenhum partido político” ou “não tenho interesse ideológico nenhum”. As pessoas podem até não ser filiadas, mas as ideias que elas propagam certamente têm filiação tanto histórica quanto ideológica: vêm de certo lugar e servem a certos interesses. Não reconhecer isso, insisto, é sinal de ingenuidade ou de más intenções.
É por acreditar nisso que desconfio de tudo que se vende como neutro, imparcial, desprovido de interesses. É por acreditar nisso que faço questão de esclarecer que minha escrita não pretende esconder meus posicionamentos nem minhas ideologias, muito pelo contrário: é justamente em busca de uma interlocução para eles que escrevo. Eu poderia finalizar com uma autodescrição de adjetivos que ajudassem a situar esses posicionamentos, mas creio ser mais produtivo deixar que as próximas colunas demonstrem de que lado estou jogando (e convidando quem me lê para jogar comigo). Imparcial, sabemos, ninguém consegue ser. Pelo menos aqui, sem más intenções, a parcialidade é orgulhosamente assumida.